[2.18] ⚠️ 🤖 O poder nas mãos de poucos: como Musk e Zuckerberg distorcem a democracia
O abandono, pela Meta, da verificação dos factos devia ser pretexto para focarmos a atenção no que é mais importante que as fake news: o colossal poder de interferência política de apenas dois homens
Este é um número diferente do habitual: é mono-temático. Parto de uma notícia que está a dar a volta ao mundo — o abandono pela Meta (Facebook, Instagram, WhatsApp e Threads) dos programas de verificação de factos — para dizer que essa não é a questão essencial. A questão essencial é focar o olhar no que realmente está a distorcer os processos democráticos, que é o colossal e nunca antes visto poder de interferência nos governos, nos legisladores e nas eleições de apenas dois (ou três) homens.
Uma nota explicativa. Quando me preparava para iniciar a recolha de informação para a newsletter, fui interrompido por um telefonema da RTP — um convite para ir ao noticiário da RTP3 falar em direto sobre a decisão anunciada por Mark Zuckerberg e suas consequências. Ao contrário de outros convites para comentar matérias em que não acrescento mais que o ocasional tudólogo, este não tinha como recusar: é um assunto em que tenho alguma leitura, alguma reflexão, belíssimas fontes e — se for capaz de passar a mensagem em televisão, que não é o meu meio favorito, posso acrescentar valor.
Fui. Está no arquivo do site da RTP e acessível nas boxes que possibilitam o recuo. Ontem, 2025/01/08, noticiário das 17 horas na RTP3, cerca das 17:25.
Na newsletter posso obviamente ir bem mais longe.
O texto abaixo resulta de um apanhado de diversos autores que escreveram nas últimas horas sobre estes temas, bem como da acumulação de leituras e reflexões ao longo dos últimos anos a olhar para um continuum que começa na constatação da pós-verdade, passa pelas fake news e pela emergência da inteligência artificial como tecnologia da ficção e prossegue, num novo nível que agora se abre ao debate público, do poder transformador que apenas três homens têm no presente e no futuro sobre o que todos pensamos e — o que se apresenta como inaceitável, para já — como governam e legislam aqueles que elegemos.
O problema central não é a desinformação, mas sim o poder excessivo concentrado nas mãos de indivíduos com interesses próprios, que controlam uma parte significativa da esfera pública. Esta situação coloca em causa o funcionamento da democracia, pois a voz do eleitorado é, em grande medida, manipulada por decisões unilaterais de apenas duas pessoas.
Poucos perceberam na época, mas a compra do Twitter/X por Elon Musk em 2022 deu-lhe um poder incomparável para influenciar a política. Os seus ataques cada vez mais erráticos a governos e instituições públicas estão rapidamente a tornar-se o maior motor da agenda de notícias.
Os políticos vão sendo sendo obrigados a reagir. Na segunda-feira, o presidente francês Emmanuel Macron acusou Musk de “intervir diretamente nas eleições.” No mesmo dia, Keir Starmer criticou o dono do X/Twitter por espalhar “mentiras e desinformação” sobre gangues envolvidas em abuso sexual infantil. O Politico fez um levantamento de 13 situações de interferência direta de Musk nas democracias europeias.
Já estamos noutro ponto mais à frente do caminho, já ultrapassámos na trajetória o marco da ascensão dos populistas. E os partidos de extrema-direita não são os generais desta guerra, nem sequer coronéis.
A democracia pode funcionar se alguns homens altamente atípicos exercem controlo efetivo sobre vastas áreas do espaço público? Como pode esse controlo ser limitado ou contrabalançado, mesmo em teoria? Que passos práticos de reforma estão disponíveis numa democracia moldada por pessoas que se pretende afastar do poder?
[Seria interessante o exercício de comparar o poder mediático e de interferência política de anteriores magnatas donos de impérios de comunicação social, como Rupert Murdoch, Ted Turner ou Silvio Berlusconi, que até se fez eleger primeiro ministro de Itália com esse instrumento, com o dos atuais donos da narrativa, como Elon Musk. A esfera de influência é global, a rapidez da mensagem vertiginosa e desequilibradora só por si, para mencionar as duas características que elevam os atuais bilionários a um patamar muito acima. ]
Os pontos deste texto:
Meta acaba com o fact-checking no Facebook e introduz a moderação voluntária, como a X/Twitter fez, além de outras mudanças
de onde veio isto tudo
o mito da verificação dos factos
a admissão da censura no Facebook e Instagram
a verdadeira ameaça aos processos democráticos e a subversão do direito internacional: a concentração em apenas duas pessoas do poder de manipulação e controlo das narrativas de que se alimentam três mil milhões de pessoas em todo o mundo.
Senhores absolutos
Leituras recomendadas
Facebook substitui fact-checking pela moderação voluntária
A notícia é de terça-feira, dia 7. Mark Zuckerberg anunciou (link para a transcrição nas fontes, abaixo) alterações na política de moderação das plataformas da Meta, Facebook e Instagram em destaque. Os jornalistas escolheram apenas um dos cinco pontos principais das mudanças: o fim do financiamento das empresas de verificação de factos. Compreende-se a seleção: a maior parte dessas empresas é pertença dos grupos de media ou de empresas fundadas por jornalistas, e empregam jornalistas.
(É o caso, em Portugal, do Polígrafo em particular, mas também do Observador e do Público, sendo que este, tanto quanto sei, já não tem essa parceria há algum tempo.)
Os cinco pontos principais das mudanças:
encerramento do seu programa de verificação de factos, que financia organizações terceiras para verificar as alegações em publicações virais no Facebook e no Instagram, rebaixando-as no ranking quando contêm falsidades. Este será substituído por um clone do Community Notes, o programa de verificação de factos voluntário do X. (Na verdade, a Meta iniciou o desinvestimento no programa há dois anos, agora foi apenas a machadada final.)
eliminação de restrições a algumas formas de discurso anteriormente consideradas prejudiciais, incluindo certas críticas a imigrantes, mulheres e pessoas transgénero
recalibração dos algoritmos de moderação para se focarem apenas nas violações graves das políticas de conteúdo, como as relacionadas com drogas e terrorismo, e analisando violações de menor gravidade apenas quando relatadas pelos utilizadores
reintrodução da discussão de eventos atuais, que a empresa chama de "conteúdo cívico", no Facebook, Instagram e Threads
transferência das equipas de moderação de conteúdo da Califórnia para o Texas, para combater a perceção de que a moderação da Meta reflete um viés liberal californiano
Mais abaixo volto a alguns destes pontos. Primeiro:
De onde vem isto?
Nas eleições americanas de 2016 o Facebook foi alvo de intensas críticas por albergar e proteger fake news. Ficou no ar a ideia de que Hillary Clinton foi prejudicada. E foi, mas incomparavelmente menos pela disseminação de posts no Facebook do que pela insana repetição, ao longo de todos os meses da campanha, pelas televisões, a Fox controlada por Donald Trump em particular, e também pelos jornais, de um único castelo de tretas: a controvérsia sobre os seus e-mails.
Mark Zuckerberg não tinha, como parece continuar a não ter, um interesse pessoal pela política. Mas tinha, como parece continuar a ter, um interesse profissional em estar nas boas graças dos dois partidos americanos, democratas e republicanos. E, para proteger os seus interesses financeiros, tratou de obter as boas graças dos democratas: naquele tempo abriu um conjunto de parcerias com jornais e outras organizações com o propósito de verificar os factos.
Mas a ação de relações públicas não rendeu o esperado. Justa ou injustamente, toda a gente continuou a vilipendiar a Meta. Zuckerberg continuou como a personificação do Mal das fake news.
À esquerda foi criticado por retirar posts de apoio ao povo palestiniano, a direita acusou a Meta de remover os seus posts de ódio. And so on, no infindável rolamento de queixas sobre o viés.
Chegamos ao facto da semana: apesar do seu anúncio estar bem alicerçado e justificado, contendo várias verdades sobre a ineficácia do sistema que construiu, como a de que os fact-checkers têm eles próprios um viés que aplicaram, não há qualquer ilusão sobre a motivação de Mark Zuckerberg. Não, a liberdade de expressão não é uma preocupação sua. Nem a saúde do espaço público. Nem, valha a verdade, o custo sem retorno dos 40.000 verificadores sub-contratados em todo o mundo, ou a ineficácia de todo o sistema — que se tornou num sofisticado sistema de censura.
O que o levou a dar o golpe final no programa de verificação de factos foi a ameaça clara, direta e inequívoca que Donald Trump lhe fez ainda na campanha eleitoral: ou ele “aderia”, ou a sua Meta ia ser perseguida pela próxima administração Trump.
Zuckerberg diferencia-se de Elon Musk por não ter uma personalidade megalómana, ou se a tem não a deixa vir à tona para comandar as suas ações. Mas não precisou de mais que o empurrão de Trump para se colocar prontamente no trilho aberto por Musk.
O mito da verificação dos factos
O que me surpreendeu nas reações ao anúncio não foi a posição dos jornalistas, que comprensivelmente defenderam em primeiro lugar os seus interesses. Foi o coro de vozes críticas do fact-checking. Desde 2016 — ou, dirão alguns, desde 2012 e da noção de estarmos a entrar no mundo da pós-verdade, que era a buzzword há 15 anos —que a verificação de factos entrou para o panteão dos mitos.
Usando as palavras de Nate Silver, “a verificação de factos sempre foi uma parte intrínseca do jornalismo. A ideia de "verificação de factos" como um subcampo separado dentro do jornalismo sempre pareceu estranha. A verificação de factos há muito é uma parte essencial do trabalho de qualquer jornalista, ao ponto de nem precisar de um nome específico. Um escritor ou repórter pode até ser perdoado por uma prosa pouco elegante ou uma tese pouco clara no rascunho inicial da sua história. Contudo, espera-se que tenha feito todos os esforços para acertar nos factos desde o início.”
Desde que a sociedade em rede tirou aos media a hegemonia no controlo da narrativa — também conhecida por monopólio dos meios de difusão e, como os jornalistas preferem, por gate keeping — que subsistia dos assaltos prévios da multiplicação de canais de televisão, da rádio e da concorrência de múltiplas ofertas de entretenimento, lazer e alienação pela atenção das pessoas, o jornalismo entrou num frenesim de produção de conteúdos. Para fazer face ao definhamento das receitas de publicidade, a produtividade impôs-se. A consequência, sofremo-la hoje: a regra passou a ser primeiro, publica-se, depois logo se pensa — se for preciso. Antigamente era ao contrário: publicava-se o que fora pensado, mediado e — lá está — verificado (pelo menos nos melhores jornais e em especial nas agências de notícias, que hoje restam como a maior, quase única, garantia de rigor).
Ou seja, o campo do jornalismo dividiu-se. A operação de verificação ganhou uma identidade própria e um percurso próprio, separando-se da ação de “produzir conteúdos” e da atividade de “dar notícias”.
Voltando a Nate Silver: “simplesmente não acho que tenha feito muito bem ao jornalismo ter um grupo de pessoas especificamente designado como especialistas em desinformação ou verificadores de factos — esse deveria ser o trabalho de todos. E, embora eu não confie realmente nas motivações de Zuckerberg, foram os verificadores de factos que pressionaram o Facebook pela parceria em primeiro lugar, e não o contrário. É mais um capítulo na longa história de jornalistas a tentar semear terreno com a Meta e a não gostar do que colheram.”
Dada a explicação, resta o mito. “Não acredito que estivéssemos a agir, de qualquer forma, com preconceito”, disse Neil Brown, presidente do Poynter Institute, uma organização sem fins lucrativos global que gere o PolitiFact, um dos parceiros de verificação de factos da Meta e um dos mais reconhecidos pelos pares da verificação. “Há uma montanha de coisas que poderiam ser verificadas, e estávamos a apanhar o que conseguíamos.”
Esta é a minha principal interrogação sobre a atividade de fact-checking desde que se separou dos jornais e passou a ser financiada pela Meta e outras empresas e instituições, incluindo a União Europeia. O verificador está perante um caudaloso rio repleto de “peixes” de todo o tipo e tamanho, munido de um arpão. Escolhe um. Nem vale a pena enveredar aqui — noutra altura talvez — sobre as motivações da escolha, ou seja, sobre o seu viés. Pode achar que os “salmões” são mais nutritivos e concentrar-se neles. Suponhamos que ao seu lado está outro “pescador de mentiras” com uma pontaria especial às “carpas”. Vou abreviar: num caudal inesgotável de centenas de milhar de peixes por hora, quantos salmões e carpas apanharam? E as outras espécies todas?
Tirada à atividade jornalística “normal”, a verificação de factos tornou-se inútil: limita-se a proporcionar mais ruído. E é inconsequente: se, por um extraordinário acaso, o verificado sabe que foi apanhado, verá isso como uma medalha de bons serviços, que o encoraja a continuar; os consumidores da falsidade não andam longe dessa atitude; e os prejudicados continuam onde estavam, à mercê do próximo mentiroso, desejoso de também ele ser medalhado.
Antes, a atividade estava focada onde devia: nos factos que o jornal ia publicar. Agora, está focada onde não deve: nos factos que o jornal NÃO publicou.
A tese que “vende” publicamente o fact-checking é contribuir para melhorar a narrativa pública. Escrutinar. Em sub-texto, “apanhar” as mentiras dos políticos. A realidade não confirma a tese. Números preliminares de uma avaliação que estou a fazer para um Exclusivo VamoLáVer sobre o fact-checking em Portugal indicam que pouco mais de 10% das peças de verificação menciona governantes, legisladores e líderes partidários. Escrevi “mencionam”: a maior parte dessas peças não verifica algo que a figura em questão tenha dito, mas sim aquilo que lhe foi atribuído por um mentiroso nas redes sociais. Pode ter dito. Ou não. E ser mentira. Ou não. Fica tudo na mesma. Ou pior.
Terei todos os detalhes em breve nesse exclusivo em que analiso cerca de 13.000 verificações feitas pelo Polígrafo, Observador e Público. Este dado preliminar é apenas um aperitivo. No estudo debruçar-me-ei sobre outro aspeto nada benéfico para a imagem dos verificadores: nunca, ou muito raramente, verificam as suas publicações — ou mesmo as publicações rivais. Ou seja: um dos piores — não na expressão numérica mas na sua responsabilidade — difusores de mentiras ou inverdades ficam fora dos escrutinadores.
Faço notar que nada me move contra a verificação dos factos. Tenho visto também esforços dignos, como o selo “euroverify” em alguns meios europeus, até escritos em português e sobre a política portuguesa, que se esforçam por verificar os agentes políticos. O que sublinho acima é o caráter largamente inútil desse esforço e a utilização errada de uma ferramenta jornalística e editorial (desde escritores, até de ficção, a investigadores e a autores de guiões, a verificação do que pretendem publicar, com recurso a terceiros independentes e mais ou menos especializados, é uma constante).
A admissão da censura no Facebook e Instagram
Quanto a Mark Zuckerberg, que ontem forneceu o pretexto para — finalmente — se discutir de forma crítica o papel dos verificadores de factos, não tomou a decisão a pensar nos utilizadores das suas redes, não é um paladino da verdade nem um bravo defensor da cidadania e dos processos democráticos. É o contrário disso.
Uma leitura lateral, mas não menos importante, do seu anúncio confirma implicitamente que as redes Meta — Facebook, Instagram e não sabemos até que extensão no WhatsApp, que tem uma natureza diferente, é uma rede social menos exposta — exerceram censura nos últimos anos. Os conteúdos de carácter político foram banidos, por exemplo. Mesmo os conteúdos pagos são de muito difícil acesso: não estão acessíveis ao cidadão comum.
Nos EUA há já autores que notaram um efeito positivo das alterações: posts seus deixaram de ser censurados ou enterrados pelos algoritmos e pelos verificadores internos.
“Não deveria ter sido necessário um vídeo com uma admissão de Zuckerberg para compreendermos até que ponto temos vivido, durante muitos anos, sob um regime de censura política nas redes sociais, com a Meta a liderar o caminho”, escreve Jonathan Cook.
“No seu vídeo bajulador dirigido a Trump – ou melhor, aos utilizadores da Meta – Zuckerberg resolve efetivamente a questão de saber se a sua corporação global tem estado a afastar agressivamente os seus 3 mil milhões de utilizadores de conteúdos políticos. Ele admite que sim.
O que ele não admitiu, e não irá admitir, é que a Meta nem sequer tentou aplicar essa censura de forma imparcial ou neutra. Sabemos, por exemplo, que os algoritmos da Meta foram cuidadosamente ajustados durante muitos meses, enquanto Israel realizava o genocídio em Gaza, para manter fontes de notícias palestinianas fora da vista do público, enquanto os mesmos algoritmos deixavam intocadas as fontes de notícias israelitas.
Durante anos, o objetivo de Zuckerberg – o seu plano de negócios – tem sido manter o principal bloco de poder do establishment ocidental satisfeito: ou seja, a administração Biden, as agências de três letras, as indústrias de guerra, os "media tradicionais" e a classe bilionária à qual ele pertence.”
Mas esse benefício, duvidoso na sua extensão até termos mais dados, é de terceira ordem de importância. O que o anúncio da Meta nos proporciona é a oportunidade de focarmos o olhar no que é mais importante — e não, não é a propaganda nem as mensagens de ódio, por muito que essas afetem minorias desprotegidas.
O foco nas fake news distraiu-nos de outro movimento que estava em curso e hoje eclipsa o problema da propaganda. Estou a falar de
O poder nas mãos de poucos: como Musk e Zuckerberg distorcem a democracia
Henry Farrell (professor da Johns Hopkins e coautor de Underground Empire: How America Weaponized the World Economy) tem um título diferente para o artigo que nos devia colocar no trilho certo: estamos a interpretar mal a crise das redes sociais.
O problema maior não é a desinformação, diz ele. É a degradação da esfera pública democrática.
A desinformação “é, sem dúvida, um problema, mas não é o mais importante. O problema fundamental, na minha opinião, não é que as redes sociais desinformem os indivíduos sobre o que é verdadeiro ou falso, mas que criam coletividades com entendimentos coletivos malformados. Este é um problema mais subtil, mas também mais pernicioso”.
No artigo (link nas leituras recomendadas, abaixo) aborda a crescente influência de Elon Musk e Mark Zuckerberg na esfera pública, através das suas plataformas X/Twitter e Meta (Facebook), respetivamente, e os perigos que esta influência representa para a democracia.
Respigo o essencial da argumentação em pontos:
Musk intervém diretamente no X/Twitter, privilegiando os seus próprios posts e opiniões através do algoritmo e restringindo a liberdade de expressão dos que o desafiam. Isto leva a que a plataforma se torne um reflexo das suas preferências e caprichos, moldando o que as pessoas discutem.
Zuckerberg, por sua vez, está a remodelar os algoritmos da Meta de modo a dar relevo a temas como a hostilidade à imigração e a minorias sexuais e de género, possivelmente influenciado pelos seus interesses ou por acordos políticos.
O problema central não é a desinformação, mas sim o poder excessivo concentrado nas mãos de indivíduos com interesses próprios, que controlam uma parte significativa da esfera pública.
Esta situação coloca em causa o funcionamento da democracia, pois a voz do povo é, em grande medida, manipulada por decisões unilaterais de apenas duas pessoas.
A manipulação do debate público não se limita aos EUA, mas estende-se a outros países como o Reino Unido e regiões como Europa, alterando a perceção das pessoas sobre a política e o que é aceitável.
É crucial perceber o que constitui um público saudável e como construí-lo, mas este é um desafio complexo.
Deixo aqui a tradução de um trecho essencial do artigo, que é bem mais extenso e de leitura recomendada — atrevo-me a considerar obrigatória para quem esteja dentro das instituições da democracia (governantes, deputados, líderes partidários, diretores de jornais, académicos das áreas de confluência) ou muito perto delas.
”Novamente: nada disto é lavagem cerebral, mas está a reformular o debate público, não apenas nos EUA, mas também no Reino Unido, na Europa e em outros lugares. A perceção das pessoas sobre os contornos da política – o que é legítimo e o que está fora dos limites; o que os outros pensam, o que provavelmente farão e como se deve responder – está a mudar visivelmente à nossa volta.
Isso levanta algumas questões imediatas. A democracia pode funcionar se alguns homens altamente atípicos exercem controlo efetivo sobre vastas áreas do espaço público? Como pode esse controlo ser limitado ou contrabalançado, mesmo em teoria? Que passos práticos de reforma estão disponíveis numa democracia moldada por pessoas que se pretende afastar do poder?
Também levanta questões mais gerais. Se quisermos trabalhar para um sistema democrático melhor, que seja ao mesmo tempo mais estável e mais verdadeiramente responsivo ao que as pessoas querem e precisam, como podemos fazer isso? É fácil (pelo menos, na minha opinião, embora também tenha os meus preconceitos) identificar o que está errado com o espaço público no X/Twitter. É mais difícil pensar claramente sobre como seria um espaço público saudável, muito menos sobre como construir um.
Não tenho boas respostas para estas perguntas; apenas perguntas. Ainda assim, acredito que são estas as questões que precisamos de fazer para compreender melhor a situação que se está a desenvolver à nossa volta neste momento.”
Senhores absolutos
Mais umas palavras adicionais sobre o poder de Mark Zuckerberg e de Elon Musk. Zuckerberg controla por completo a Meta, de que é fundador, presidente e CEO, além de maior accionista. Controlo absoluto e total — o que é também uma raridade no mundo empresarial. Musk não tem esse tipo de controlo totalitário formal mas tem-no na realidade.
É certo que outros bilionários se apressaram a bajular o presidente eleito e a garantir apoio, aumentando o poder deste poder público não eleito. Mas nem todos os bilionários subiram a bordo do comboio mumpista —Musk mais Trump.
Leituras recomendadas
Casey Newton: Meta surrenders to the right on speech. “I really think this a precursor for genocide,” a former employee tells Platformer
Jonathan Cook: Billionaires dangle free speech like a bauble. We gawp like open-mouthed babes. Zuckerberg, Trump, Musk. None care about free speech, least of all yours or mine. They care about power and remaining billionaires – or, better still, becoming trillionaires
Peter Geoghegan: How to solve a problem like Elon Musk. Let's stop letting the world's richest man set the political and news agenda - and start taking action against foreign interference
Politico: 13 times Elon Musk meddled in politics. The X owner and Donald Trump pick will never, ever stop posting — governments be damned
Henry Farrell: We're getting the social media crisis wrong. The bigger problem isn't disinformation. It's degraded democratic publics
RELEMBRANDO
Não lemos todas as newsletters todos os dias, naturalmente… Podem ter-lhe escapado estes assuntos:
[E.11] Eleições este ano: a Europa à prova após a viragem à direita de 2024. As legislativas na Alemanha e na Chéquia, e as presidenciais na Polónia, testam a onda populista, a influência externa (Putin, mas também Musk), as lideranças e a resistência democrática.
[2.17] Áustria muda (de novo): líder da extrema-direita mandatado para formar governo. O país está num momento difícil. Perante o fracasso das negociações ao centro, Herbert Kickl, líder do partido nacionalista, eurocéptico e pró-Moscovo que vencera as eleições, é o senhor que se segue
[OP.8] Montenegro para 2025: dar um "seguro" abraço do urso a Ventura. Usando a política de segurança e imigração que roubou à extrema direita, o líder do PSD quer manietar o CH e dizer que quem manda na direita é ele. Mas nem o CH é o CDS, nem Ventura é daquela gente.
[2.16] 🇺🇸 ⚔️ A fantochada de Trump com os imigrantes: bilionários e a base MAGA em rota de colisão. Uma vez eleito, o presidente mudou radicalmente de posição. Agora quer mais imigrantes, para substituir os americanos — como sucede em dezenas de empresas, como a Tesla de Musk.
Alguém disse que existem os líderes e os outros. E os outros tendem em gostar de líderes que os representem das agruras da vida, sejam elas quais forem, desde que os vinguem, eles serão os seus gurus para toda a vida.
É assim como irmos ao futebol e descarregarmos a bílis acumulada durante a semana. E a comparação futebolística não se fica por aqui. É vermos como os lances são vistos e interpretados pelos adeptos das varias equipas.
O que se está a passar tem muito a ver com isso. Existem queixas que não são atendidas, existem medos que não resolvidos e existem anseios que não se concretizam. E vêm as consequências.
A primeira consequência é o desinteresse pela política, através de abstenções pornográficas para um sistema democrático.
A segunda é a degradação das instituições por falta de escrutínio das populações (eles são todos iguais) e dos que as representam.
Finalmente aparecem os líderes. Bem falantes e com a aura que os caracteriza, tocam nos pontos chave que atormentam as populações que logos os adoptam para ser os seus porta-estandartes. Estes líderes não precisam de ter um discurso de verdades feitas, bastam apenas algumas, mas são as suficientes para terem seguidores até à morte façam o que fizerem. Como disse o outro, podem matar uma pessoa em plena City que os seus seguidores logo os defendem.
Para ajudar à festa, os pseudo líderes vigentes combatem estes líderes emergentes, primeiro com o desdém da superioridade (que não têm) e depois com as mesmas armas com que as populações já estavam fartas. Isto para não fazerem pior que é tentarem imitá-los.
Alguns dos outros, os que se tentam desviar dos líderes e pseudo líderes, olham com preocupação e desesperança (o meu caso) para tudo isto. Pode ser que não seja nada, mas a história não nos diz isso.
Sendo otimista: no final disto tudo teremos uma nova ONU e promessas de que isto não voltará a acontecer.
Que pena não terem visto o filme 'Citizen Kane'.
Ou o filme do 007 que descreve o poder de um senhor dos media.