[1.47] Montenegro forma um Governo centrado no centro — o que é bom
Sem surpresas. Luís Montenegro apresentou um governo coeso em torno dele, com sinais de tranquilidade para as corporações, para a Europa — e para o PS. Não se descortina nenhum sinal à extrema-direita
ANÁLISE
Montenegro forma um Governo centrado no centro — o que é bom
O Primeiro Ministro indigitado apresentou esta quinta-feira (28/03) o fulcro do seu futuro governo: 17 ministros, sete dos quais mulheres. Contando com Luís Montenegro, os 18 têm uma média de idades de 54,4 anos.
As reações partidárias não trouxeram nenhuma surpresa, oscilando entre o encómio de PSD, CDS e IL e a crítica, ainda que em tonalidades distintas, de PS, BE, Livre, PCP e PAN.
Da leitura dos analistas ressalta em primeiro lugar a inexistência de um fio de consenso sobre a composição ministerial. O tom geral vai da baixa expectativa ao reconhecimento de uma qualidade até inesperada nesta altura e nestas condições; nem no nome a nome se descortina uma tendência entre os observadores da política.
Duas listas explicativas: a do Público e a do DN.
A visão do editor
A minha primeira reação à lista de ministros foi: Montenegro conseguiu aparentemente recentrar a governação, não fugindo do eixo mais centrista do PSD, pelo contrário, este elenco parece mais social-democrata do que os elencos anteriores de Pedro Passos Coelho, que eram mais liberais, mais encostados à direita. E isto apesar de Montenegro ter ido buscar antigos ministros passistas e ter seguido a tradição dos governos de coligação à direita, deixando a defesa para o CDS.
Após alguma maturação, ressalto três pontos, um negativo e dois positivos.
Negativo: é um governo leal às corporações, com ministros ligados a, quando não comprometidos com, setores como a indústria farmacêutica, a advocacia dos grandes negócios e a big tech. Se não tiver tempo para cumprir as promessas de campanha aos setores sociais como professores, polícias, médicos e enfermeiros (para os quais a narrativa entretanto já mudou, passando de “queixas justas” a “reivindicações”), tem capacidade para garantir no imediato a distribuição pelo setor empresarial dos quinhões do PRR e do excedente orçamental.
Positivos: é um governo europeísta e é um governo com portas abertas à esquerda e fechadas à extrema-direita.
A preocupação europeísta foi notada e é notória: quatro ministros vêm do Parlamento Europeu, que funciona como um depósito de experiência mas facultativo, raramente usado. Montenegro por um lado colmata a sua própria inexperiência europeia, bem como o facto de não ser reconhecido internacionalmente, e por outro aplica conhecimento em setores importantes como o Ambiente e Energia (Maria da Graça Carvalho é uma figura relevante no PE, além de já ter sido ministra com Durão Barroso e Santana Lopes), a Agricultura e Pescas (José Manuel Fernandes é outra figura com enorme experiência europeia nos dossiers dessa pasta) e os Negócios Estrangeiros (Paulo Rangel domina Bruxelas ao nível das relações entre instituições da União mas também a nível dos lóbis).
(Sim: deixo de fora a Defesa, onde Nuno Melo não acrescenta nada a não ser confusão, trazendo a pasta vazia de Bruxelas, onde não passou de um relator avulso. A sua credencial para o Governo é ser o presidente do CDS. À partida, o elo mais fraco para Montenegro e um risco; não teria a mesma importância se Putin não tivesse colocado a Europa num estado de alerta militar.)
Semáforo à esquerda passa a amarelo intermitente
Se Hugo Soares é escolhido para “chicote” da bancada do PSD no Parlamento, uma boa escolha dadas as suas características e lealdades, colocar Pedro Duarte como Ministro dos Assuntos Parlamentares tem uma única leitura: o sinal ao PS passou de vermelho a amarelo intermitente.
E este sinal é do meu particular agrado. A confusão das quatro votações para o Presidente da Assembleia da República pode ter um efeito positivo ao reforçar o muro pouco consistente que Montenegro erguera à extrema-direita.
O país pode desconfiar daquilo a que chama “bloco central”, mas o entendimento dos dois maiores partidos é o refúgio seguro para as tempestades no sistema democrático. É sempre um entendimento forçado pelas circunstâncias e estratégico para a democracia e para a governação do país. No fim pode acabar mal para um dos partidos? Pode, mas entretanto o entendimento resolveu o que quer que estivesse por resolver.
E o que está por resolver em Portugal em 2024 é em primeiro lugar esvaziar a extrema-direita anulando a sua toxicidade, e em segundo lugar garantir o governo do país em circunstâncias positivas pelo lado das finanças e da economia mas periclitantes pelo lado da correlação de forças na Assembleia.
Com um bocadinho de bom senso e sorte, Pedro Duarte poderá ser o quebra-nozes da aprovação de um Orçamento de Estado para 2025 que seja equilibrado. Quanto vale isso para o país em primeiro lugar, para o partido que governa e para o partido que está em “cura” de oposição?
Esperemos que triunfe esta vontade timidamente exibida. Porque as outras vontades, as vontades de usar o Chega para aplicar danos irrecuperáveis no edifício dos direitos, liberdades e garantias, e na administração pública, permanecem dentro dos tecidos corporativos e empresariais que sustentam os partidos da direita. E essas vontades não se importam com o “emblema”: se o Chega destruir o PSD, tanto melhor, é como pensam, é como tem sucedido em todas as geografias onde a direita moderada foi cedendo.
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NOTA
O leitor e amigo Tito de Morais questionou o uso da palavra “inédito” para descrever a solução encontrada para o acordo para Presidência do Parlamento, na edição anterior.
“Não tem nada de inédito. O meu tio, Manuel Alfredo Tito de Morais, foi Presidente da AR (8/06/1983 - 25/10/1984), quando se realizaram novas eleições para Presidência da AR para eleger um social-democrata, ao abrigo do Acordo Parlamentar e de Governo PS/PSD. Foi então eleito Fernando Amaral e o meu tio renunciou ao mandato de deputado”.
Assim foi, na verdade. A partilha da função não é inédita. Ainda que naquela altura as condições fossem outras e as negociações também.
Europa entrou numa era de pré-guerra, alerta Donald Tusk
O primeiro-ministro polaco, Donald Tusk, fez um aviso contundente de que a Europa entrou numa “era de pré-guerra” e que se a Ucrânia for derrotada pela Rússia, ninguém na Europa se poderá sentir seguro.
O que disse Donald Tusk sobre a situação atual na Europa?
Tusk afirmou que a guerra “não é mais um conceito do passado” e que “é real e começou há mais de dois anos”.
Qual foi o contexto das declarações de Tusk?
As declarações ocorreram numa altura em que a Rússia intensificou os bombardeamentos contra a Ucrânia nas últimas semanas, tendo lançado uma nova onda de mísseis.
O que aconteceu na Ucrânia após os últimos ataques russos?
A força aérea ucraniana informou ter abatido 58 drones e 26 mísseis. Infraestruturas energéticas foram danificadas em seis regiões do oeste, centro e leste do país. A empresa nacional de energia anunciou apagões de emergência em três regiões.
Qual foi o apelo de Tusk aos líderes europeus?
Que façam mais para reforçar as defesas da Europa. Argumentou que, independentemente de quem vencer as eleições presidenciais americanas, a Europa se tornaria um parceiro mais atraente para os EUA se se tornasse mais auto-suficiente militarmente.
O que Tusk disse sobre as relações entre a Rússia e o Ocidente?
Tusk afirmou que desde que a Rússia lançou a guerra em grande escala na Ucrânia, as relações com o Ocidente atingiram o nível mais baixo desde os piores dias da Guerra Fria.
Citação
“Estamos a viver no momento mais crítico desde o fim da Segunda Guerra Mundial.” - Donald Tusk
Números
58 drones e 26 mísseis abatidos pela força aérea ucraniana
4% do PIB: percentagem que a Polónia gasta atualmente em defesa
2% do PIB: percentagem que Tusk defende que cada país europeu deve gastar em defesa
Fonte: bbc.com
CURTAS
🇫🇷 Emmanuel Macron prometeu aos agricultores revoltados um encontro dentro de três semanas. Apesar de já ter passado esse prazo, a tensão acalmou e os bloqueios foram levantados, mas o presidente francês ainda não fez as pazes com o mundo rural que tanto o vaiou há um mês. • lemonde.fr
🇵🇱 O presidente polaco vetou uma lei que permitiria o acesso à pílula do dia seguinte sem receita médica. Andrzej Duda justificou que não pode aceitar uma lei que permita o acesso a menores de 18 anos sem supervisão médica e ignorando o papel dos pais. O primeiro-ministro Donald Tusk procura agora uma legislação mais liberal. • zeit.de
🏠 As famílias com créditos à habitação indexados à Euribor a 12 meses, que abrange mais de 37% dos contratos, voltarão a ver um aumento na prestação em abril. A Euribor a 12 meses subiu 0,047 pontos percentuais em março, fixando-se nos 3,718%, enquanto a Euribor a 3 e 6 meses se mantiveram praticamente inalteradas. • publico.pt
🏚️ Em 2023, 12,9% da população residente em Portugal vivia em casas sobrelotadas, um aumento de 3,5 pontos percentuais face ao ano anterior. Este fenómeno afeta especialmente as famílias com filhos, com uma em cada cinco a viver numa habitação com divisões insuficientes para o agregado familiar, totalizando 1,3 milhões de pessoas nesta situação, um aumento de 37% em relação a 2022. • publico.pt
🇵🇹 Tiago Mayan Gonçalves pondera concorrer contra Rui Rocha na convenção de julho próximo. O ex-candidato presidencial da Iniciativa Liberal tem criticado a actual direcção do partido e lamentado a saída de membros, como Carla Castro, cuja candidatura apoiou na convenção de Janeiro. O liberal afirmou que “as pessoas estão a perder a esperança neste partido” e que as desfiliações demonstram a incapacidade da actual comissão executiva em “agregar essas pessoas”. • publico.pt
🇮🇱🇵🇸 Benjamin Netanyahu aprovou uma nova ronda de negociações em Doha, no Qatar, e no Cairo, no Egito, com o objetivo de alcançar uma trégua em Gaza. As conversações aprovadas pelo primeiro-ministro israelita ocorrem após quase seis meses de guerra entre Israel e o Hamas, com acusações mútuas sobre a incapacidade de chegar a um acordo, mesmo depois do apelo do Conselho de Segurança da ONU para um cessar-fogo imediato. • 24.sapo.pt
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Um livro
Na Terra dos Outros. Autoria: Manuel Abrantes. Editora: Companhia das Letras, 2024. “Manuel Abrantes: ‘Grandes acontecimentos históricos são muitas vezes vividos entre quatro paredes’. Maria do Carmo, a heroína invisível de Na Terra dos Outros, o primeiro romance do sociólogo Manuel Abrantes, que tem investigado o serviço doméstico, não se esquece.” Isabel Coutinho
Uma conversa
Em torno da revista Electra #23 - Chamar a atenção, Auditório do Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, Lisboa, 4 de Abril às 18h00, entrada livre. Com: António Guerreiro, José Manuel dos Santos, Sandra Brás dos Santos, Sara Orsi, Sílvia Pinto Coelho e António Bracinha Vieira. “A atenção é um bem escasso e precioso cuja captação tem o custo de uma autêntica ‘guerra civil’ à escala universal. Ela é a mercadoria da qual depende o valor de todas as mercadorias, sejam materiais ou imateriais, reais ou simbólicas. Para captar a atenção, criaram-se os mecanismos mais sofisticados, inventaram-se tácticas cujo objectivo é tornar-nos reféns passivos e anestesiados. Uma economia da atenção tornou-se assim um domínio poderoso da economia geral, potenciado em larga escala pelas novas tecnologias para as quais a atenção é um capital absoluto. A capacidade de atrair a atenção e, por conseguinte, de entrar na lógica da disputa e da concorrência que lhe é inerente é a condição a que está submetido não apenas o domínio do estrito da economia, mas também tudo o que revela da vida política e cultural. Hoje, a atenção, ela própria, é o objecto de atenção e estudo.”
Uma exposição
10 dias que abalaram Portugal: Materiais da revolução do Arquivo Ephemera, Mercado do Forno do Tijolo, Lisboa, até 26 de maio 2024, entrada livre. “A exposição é composta por documentos originais que testemunharam os primeiros 10 dias de liberdade em Portugal, numa compilação organizada pelo arquivo Ephemera. A libertação dos presos políticos, o impacto internacional que teve a revolução, as publicações na imprensa internacional, são temas retratados na exposição, numa viagem que começa no dia 25 de Abril e termina a 4 de maio. Como comissário da Exposição e presidente da Ephemera, José Pacheco Pereira sublinha que ‘esta exposição aumenta a informação existente sobre os acontecimentos do 25 de Abril. É uma exposição diferente das outras. Colocámos materiais que não são conhecidos, como é o caso do Diário de António Champalimaud e da imprensa da África do Sul’. ”
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[1.46] Parlamento a três: bem vindos à Era da Imprevisibilidade. Habituem-se. Extrema-direita, direita democrática e esquerda democrática têm de aprender a conviver a três. Enquanto aprendem, o sistema fica imprevisível. Mas não bloqueado: isso só o PSD é que está.
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[1.44] A esquerda deve pressionar e responsabilizar o Governo Montenegro. O choque pelo descontentamento capturado pelo Chega tem de ser ultrapassado. E desvalorizar ou menorizar a direita nesta altura é um erro. A atitude certa é pressionar.