[1.42] Moscovo: Putin eleito отец народов, oposição no exílio é um fracasso
Decorativa para o Ocidente, a oposição fora da Rússia não tem qualquer influência em Moscovo. Putin venceu Putin e consolidou-se como отец народов, o pai dos povos.
ANÁLISE
Moscovo: Putin eleito отец народов, oposição no exílio é um fracasso
As chamadas eleições presidenciais na Rússia terminaram com o resultado esperado: Vladimir Putin foi confirmado como líder do país até 2030 - tendo assegurado quase 88% dos votos, de acordo com a Comissão Eleitoral Central do país. Observadores reportaram mais de 1.000 casos de irregularidades, o que tem significado simbólico mas não estatístico num universo de mais de 100 milhões de eleitores, e candidatos realmente da oposição não foram autorizados a concorrer.
Apenas simbólica é também a oposição a Putin fora da Rússia: alimenta no público ocidental a ideia de que há democratas reprimidos, mas a sua ineficácia prática é absoluta. Os emigrantes russos não têm nenhuma influência na pátria.
Mesmo sem ter em conta a repressão sobre a oposição interna, o voto foi o menos competitivo da história moderna da Rússia: apenas três candidatos autorizados pelo Kremlin separaram Putin de um boletim ao estilo de Estaline, com um único nome. Foi também o menos transparente: nunca antes houve tão poucos observadores independentes com tão pouco acesso (reveladoramente, o líder do Golos, um grupo independente de monitoramento eleitoral, está na prisão).
No poder desde 1999, Vladimir Putin, 75 anos, já viu passar três presidentes portugueses, cinco presidentes americanos e três papas. Se nada de grave o impedir de cumprir o presente mandato até 2030, tornar-se-á o líder russo com mais anos no poder, 30, ultrapassando outro conhecido pai dos povos (отец народов), Josef Estaline, que liderou o Kremlin por quase 29 anos.
Apresenta-se abaixo um breve resenha das reações em diversas latitudes da Europa, através de colunistas de jornais.
Putin bate Putin, zomba Dragomir Simeonov. “Ouvi dizer que houve eleições na Rússia. Tinha-me esquecido completamente que eles têm uma democracia. Curiosamente, os russos ainda não desistiram de as falsificar. E mais uma vez a escolha foi: Putin ou Putin! Gostava que pusessem os nomes reais dos seus duplos nos boletins de voto para não confundir as pessoas. De qualquer forma, ninguém se importa com o resultado final porque foi decidido com muita antecedência.” Webcafé (Bulgária)
Putin usará o resultado para intensificar a guerra contra a Ucrânia, está convencido Mihăilă Șerban: “com uma participação massiva e uma vitória esmagadora, Putin quis demonstrar que tem um apoio esmagador para a invasão do país vizinho. Isto significa que a contagem final pode dar um grande impulso ao líder do Kremlin para a guerra na Ucrânia. Ele pode agora ordenar uma mobilização geral na Rússia, com tropas adicionais a serem enviadas para a frente. Como a ajuda militar dos EUA a Kiev continua bloqueada no Congresso e os compromissos europeus estão atrasados, isto colocaria uma enorme pressão sobre as defesas da Ucrânia e mudaria o equilíbrio neste confronto a favor de Moscovo”. Jurnalul National (Roménia)
El Mundo vê a atual força de Putin com preocupação: “As eleições serviram para entrincheirar politicamente uma guerra em que o tempo está a jogar a favor do Kremlin. Putin confia que os aliados ocidentais serão desgastados, como mostrou o recente confronto entre Macron e Scholz. ... Putin nunca esteve tão forte nos últimos dois anos. ... Este cenário obriga a Europa a fazer tudo o que puder para defender Kiev contra uma Rússia que se tornou uma ameaça existencial e que no futuro poderá absorver antigas repúblicas soviéticas que agora são europeias, como a Estónia, Letónia e Lituânia. ... A derrota de Putin é também o único caminho possível para uma transição para a democracia, o levantamento das sanções e a reintegração da Rússia na comunidade internacional” El Mundo (Espanha)
Anna Zafesova vê um presságio: “As filas estão de volta à Rússia. O desaparecimento do famoso fenómeno típico do socialismo soviético foi visto como uma grande vitória - uma medida do sucesso da nova nação pós-comunista, pelo menos economicamente. ... Mas as semanas que antecederam a chamada eleição de Putin foram novamente caracterizadas por longas filas. Primeiro as filas de apoiantes de Boris Nadezhdin. ... Depois as filas quilométricas de pessoas prestando as suas últimas homenagens no túmulo de Alexei Navalny. Ontem, eleitores russos no estrangeiro esperaram horas fora das embaixadas. E formaram-se filas fora de muitas assembleias de voto nas principais cidades russas por volta do meio-dia, a hora escolhida pelos críticos de Putin para mostrar que ainda existem.” La Stampa (Itália)
Kasarin Pawlo queixa-se da irrelevância da oposição russa: “A principal característica da oposição russa é que não é uma oposição. Este estatuto é naturalmente inseparável da luta pelo poder, mas dificilmente alguém vê seriamente aqueles que deixaram o país como os portadores do futuro da Rússia. Enquanto a vertical do poder na Rússia se assemelhar a um mastro a estalar de tensão, o único papel que resta à oposição russa é o de dissidentes. Por outras palavras, daqueles que apenas defendem o seu direito de ficar à margem enquanto os outros marcham no terreno do desfile. ... Os emigrantes russos não têm influência nos acontecimentos no país. ... Antes da guerra, a sua principal agenda era combater a corrupção - e mesmo então esse não era o maior problema da Rússia.” Ukrainska Pravda (Ucrânia)
Uma mudança de governo na Rússia não pode ser provocada de fora do país, sublinha o Savon Sanomat: “É importante lembrar que foram os próprios russos que escolheram o seu futuro governante quando se voltaram contra Boris Yeltsin, que tinha promovido as liberdades civis e a democracia nos anos 90. A situação chegou a um ponto crítico em 1998 com a crise económica. O povo queria ordem, e foi isso que obteve. O aparelho de poder russo não pode ser mudado por ninguém a não ser pelos próprios russos. O espetáculo do verão passado, quando Yevgeny Prigozhin desafiou a guerra na Ucrânia, mostrou que tudo pode acontecer num espaço de tempo muito curto.” Savon Sanomat (Finlândia)
Charles Michel (Presidente do Conselho Europeu) lê no plebiscito de Putin sinais de avanço da guerra para a União. E diz: “se queremos a paz, temos de nos preparar para a guerra. A Rússia não se deterá na Ucrânia, tal como não se deteve há dez anos na Crimeia. Prossegue tácticas desestabilizadoras na Moldávia, Geórgia, Sul do Cáucaso, Balcãs Ocidentais e continente africano”. Público
Frenesim de última hora: EU aprova versão enfraquecida da diretiva de sustentabilidade corporativa
À medida que se aproxima a data limite para todos os processos legislativos europeus, o dia 25 de abril, as instituições da UE estão a acelerar negociações e aprovações de legislação importante (responsabilidade corporativa, trabalhadores de plataformas digitais e a crise climática), mas os compromissos alcançados têm tendência a enfraquecer as leis e reduzir o seu potencial impacto.
É o caso da diretiva de sustentabilidade corporativa. As empresas europeias que externalizam para outros países violações de direitos humanos e práticas prejudiciais ao ambiente poderão finalmente ser responsabilizadas. Esta é a proposta da Diretiva de Devida Diligência em Sustentabilidade Corporativa (CSDDD), aprovada recentemente pelos Estados-membros da UE.
Sob a CSDDD, as empresas europeias deverão cumprir normas mais estritas para reduzir danos sociais e ambientais em toda a sua cadeia de fornecimento e apresentar planos claros para se tornarem mais justas e sustentáveis. Assim, estas empresas são responsabilizadas por práticas incorretas em instalações de produção ou subsidiárias pelo mundo.
Esta diretiva dirige-se a empresas com mais de 1.000 empregados e um volume de negócios líquido de 450 milhões de euros. Inicialmente propostas pela Comissão Europeia em fevereiro de 2022, as regras sofreram várias emendas e hesitações por parte da Alemanha e Itália, resultando numa versão final muito diferente da original. Com a mudança da exigência de mínimo de funcionários de 500 para 1.000, apenas 30% das empresas inicialmente abrangidas pela nova regulamentação serão agora afetadas.
A oposição à CSDDD veio principalmente de grupos industriais e do partido liberal alemão, que argumentavam que a regulamentação sobrecarregaria demasiado as empresas em tempos de crise internacional. Essa atitude ignora convenientemente a responsabilidade corporativa na mitigação da crise climática e na promoção de condições de trabalho mais justas.
Apesar das alterações, grupos ambientais e sociais, como a Oxfam, a Amnistia Internacional e a Environmental Justice Foundation, receberam bem esta legislação. A CSDDD espera agora a aprovação final pelo Parlamento em abril.
Fontes: Euronews e The Guardian
RESCALDO DAS LEGISLATIVAS
O PSD tem de aprender a gerir um partido extremista e anti-sistema à sua direita. É absolutamente inédita esta situação de uma vitória eleitoral inexpressiva do centro-direita com uma tremenda deslocação de voto para a direita radical (IL) e extrema-direita (CH) e o PSD não tem nenhuma experiência própria nesse tipo de gestão.
À esquerda está sobretudo por fazer a análise dos números com a cabeça fria e sem a interferência dos comentadores. Vicente Ferreira assina um artigo que faz essa tentativa de forma eficaz. Retiro duas citações:
“Há várias razões pelas quais a esquerda não é capaz de captar votos entre os descontentes. Há temas de que a esquerda tem falado há vários anos e que nunca mobilizaram uma percentagem tão grande da abstenção. É difícil achar que essa mobilização não ocorreu, também, devido aos temas que o CH abordou de forma mais agressiva – do medo da imigração e da criminalidade à perceção de corrupção generalizada – e às propostas mais sonantes – como a de agravar as penas ou a de atacar direitos dos imigrantes. É preferível que se reconheça que o trabalho que a esquerda tem pela frente neste campo é de longo prazo. É isso que a tendência de todos os outros países da Europa ocidental, à qual Portugal está a chegar agora, sugere”
Há aspetos que contribuem decisivamente para o crescimento da extrema-direita (CH) e da direita ultra-liberal (IL) face aos quais a esquerda não tem capacidade de disputa: o financiamento por parte dos mais ricos e o espaço desproporcional que ocupam nos meios de comunicação. O enviesamento do comentário televisivo, dominado pela direita apesar da sua menor representação eleitoral, já vinha de trás. Como notou Ana Drago, “qualquer partido que ocupasse o tempo mediático que o CH tomou nos últimos quatro anos, ao ser apresentado na comunicação social como o principal polo de protesto, […] duplicava a sua votação”. Apesar de BE e PCP já terem sido os partidos mais votados a seguir a PSD e PSD, nunca um partido de esquerda mereceu este tratamento privilegiado da comunicação social.
Fonte: Ladrão de Bicicletas
CURTAS
🇪🇺 Os ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia aprovaram um novo pacote de 5 mil milhões de euros para apoio militar à Ucrânia em 2023. No entanto, Portugal admitiu que esta ajuda financeira "não será a última", face à perspetiva de continuação do conflito. DN
🇪🇸 A política espanhola enfrenta um período de grande instabilidade, com eleições regionais na Catalunha, País Basco e europeias, afetando a estabilidade do governo de Pedro Sánchez. Como consequência, o executivo renunciou a apresentar o Orçamento de 2024 e trabalha já no de 2025, num cenário de prolongada campanha eleitoral até junho. TVE
🇺🇸 O líder da maioria no Senado dos EUA, Chuck Schumer, pediu a demissão do primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu, evidenciando o crescente fosso entre os dois aliados históricos. Os comentários de Schumer, revistos pela Casa Branca, foram criticados por republicanos e políticos israelitas, mostrando divisões profundas entre os EUA e Israel. Semafor
🌳 O reflorestamento pode ajudar a mitigar as alterações climáticas de duas formas: aumentando a cobertura de nuvens que refletem a luz solar, e através da evaporação de água pelas árvores, que arrefece as temperaturas locais. Locais rodeados por reflorestação podem estar até 1°C mais frescos, sugerem estudos recentes. Earth's Future
🇫🇷 Apesar de uma nova campanha chamada "Besoin d'Europe", o partido Renascença e aliados continuam a perder terreno nas sondagens para as eleições europeias em França, caindo para 18%, contra 31% do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen. O Partido Socialista sobe para 11,5%. French Dispatch
🇨🇻 Cabo Verde anunciou que vai avançar em 2025 com uma candidatura conjunta com Portugal, Guiné-Bissau e Angola para inscrever o campo de concentração do Tarrafal na lista de património mundial da UNESCO, assinalando os 50 anos da libertação dos presos políticos. RTP
🇷🇺 A vitória esmagadora de Vladimir Putin preocupa os líderes ocidentais, mas não a China, que rejeita a ordem global liderada pelo Ocidente. CNNP
🇪🇺 Rede Liberties alerta para o aumento de restrições ao direito de protestar, violações dos direitos humanos de migrantes e ataques contra jornalistas em vários países da União Europeia no último ano, incluindo as democracias mais antigas. TSF
🇵🇹 Cidália Figueira criticou duramente o líder André Ventura, afirmando que “é igual ou pior” aos que estão no governo. A vereadora na Câmara de Moura eleita pelo Chega é mais um caso de dissidência interna no partido de extrema-direita. JN
🌳 As emissões de gases com efeito de estufa na Alemanha diminuíram 10% em 2023, ou 76 milhões de toneladas, marcando a maior queda desde 1990. Este progresso coloca a Alemanha no caminho certo para atingir a meta de redução de 65% até 2030, em comparação com os níveis de 1990. A expansão das energias renováveis é apontada como um fator-chave, embora alguns setores ainda precisem de melhorias. Der Spiegel
ETIQUETAS
Um livro
O Fim da Paz Perpétua: Geopolítica de um mundo em metamorfose. Autor: José Pedro Teixeira Fernandes. Editora: Zigurate, 2024. “Não vejo nenhum futuro para a democracia liberal na Rússia (…) Há um ponto onde o construtivismo no sentido teórico continua a ser um bom guião de leitura: podemos ver os mesmos factos, que num certo sentido são objectivos, e interpretá-los à luz da nossa história pessoal, social e nacional, e isso dá leituras muito diferentes.”
Duas exposições
Modo de Ver, Ricardo da Cruz-Filipe, Curadoria de Ana Vasconcelos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, até 15 de abril 2024. “Esta exposição retrospetiva da obra de Cruz-Filipe apresenta pinturas realizadas desde a década de 1970, incluindo dez telas inéditas pintadas a partir de 2015, a par de um conjunto de trabalhos nos quais se conjugam pintura e fotografia. Organizada com o artista, a exposição apresenta 57 pinturas de Cruz-Filipe que traçam a evolução da sua obra desde a década de 1970 até à última tela, pintada em 2020.”
Retrato do Retrato, de Ofélia Marques, Museu Arpad Szenes – Vieira da Silva, Lisboa, até 2 de Junho de 2024. Curadoria de Emília Ferreira. "Desde 1997 que a FASVS tem à sua guarda um espólio de desenho de Ofélia Marques, artista da segunda geração do modernismo português. O conjunto de desenhos de pequeno formato depositado pela família da artista foi inventariado e digitalizado em 2013, este ano cumprir-se-á o compromisso institucional de o mostrar com a selecção e curadoria de Emília Ferreira, especialista na obra da artista e que sobre ela escreveu: “Tendo-se dedicado sobretudo ao desenho, nele experimentou diversos tipos de registo, oscilando entre a obra mais genericamente divulgada na imprensa e nos livros, sobretudo destinada ao público infantil, de traços lisos e bem definidos, num exercício de mimetismo herdeiro de alguma ilustração oitocentista, e um trabalho mais expressivo e arrojado que servirá temáticas de pendor expressionista”."
RELEMBRANDO
Não lemos todas as newsletters todos os dias, naturalmente… Podem ter-lhe escapado estes assuntos:
[1.41] Europeias: guinada brutal à direita, nos votos e nas políticas. Verdes e Liberais vão perder votos e influência, as direitas radical e extrema vão crescer e atrair irremediavelmente o centro-direita. O PPE sairá desfigurado das próximas eleições europeias.
[1.40] O assalto em curso da extrema-direita populista à UE (e seus membros). No próximo Parlamento Europeu a esquerda estará esmagada: três em cada quatro euro-deputados serão de direita. E um em cada quatro será de extrema-direita.
[1.39] A novidade das legislativas: PSD nunca governou sem mandar no partido à sua direita. Foi governo ou em maioria absoluta ou coligação "engolindo" o partido mais pequeno e fofo à direita. O PSD pisa terreno novo com o Chega. Terá de aprender a diferença entre mandar e governar.
Putin é um assassino! Um ditador! Do pior que a história já viu.