[1.40] O assalto em curso da extrema-direita populista à UE (e seus membros)
No próximo Parlamento Europeu a esquerda estará esmagada: três em cada quatro euro-deputados serão de direita. E um em cada quatro será de extrema-direita.
ANÁLISE
O assalto em curso da extrema-direita populista à UE
Pontos essenciais
Quase três quartos do Parlamento Europeu serão das direitas.
A direita radical está em ascensão na Europa.
Os partidos de direita radical estão a ganhar mais influência política.
A integração da direita radical nos governos levanta preocupações sobre a democracia liberal.
Previsões negras
As eleições parlamentares da UE estão a aproximar-se e as sondagens prevêem grandes ganhos para os populistas de direita. Pela primeira vez desde 1979, espera-se uma maioria sólida à direita no Parlamento Europeu.
Os grupos de extrema-direita, como o Identity and Democracy (ID, cá o CH) e o European Conservatives and Reformists (ECR), deverão melhorar os seus resultados, principalmente à custa dos liberais (RE, cá a IL) e dos Verdes (Greens/Efa, cá o Livre e o PAN). Esta maré negra e azul escura terá mais força vinda de países como Áustria, França, Hungria e Itália.
Se o partido Fidesz, do líder autoritário húngaro Viktor Orbán se juntar ao ECR, como esperado, a extrema-direita poderá reivindicar um quarto do total de assentos.
Alguns partidos do centro-direita têm cooptado políticas da extrema-direita e formado alianças em estados-membros individuais, legitimando assim a extrema-direita. Não é claro se a cooptação dos pontos de discussão da extrema-direita beneficia o centro-direita, mas parece haver um consenso emergente de que fortalece a direita radical a longo prazo.
Este fortalecimento da extrema-direita pode afetar políticas ambientais (como o Pacto Verde Europeu), migratórias (com restrições mais rígidas) e de defesa (dificultando uma resposta unificada a ameaças).
Atitudes conciliatórias de líderes como Ursula von der Leyen em relação à extrema-direita acabam por legitimá-la.
Apesar de suavizarem o discurso para atrair eleitores do centro, os partidos de extrema-direita ainda possuem objetivos radicais, como reformar profundamente a UE ou reforçar o controlo das fronteiras em detrimento da livre circulação.
O S&D, principal partido de centro-esquerda (cá, o PS), acredita que a extrema-direita só quer aproveitar-se da União, sem respeitar seus valores fundamentais.
Como tem corrido o assalto nos estados-membros?
Suécia
Nas eleições de 2022, nenhum bloco conseguiu maioria, e os Democratas Suecos (direita radical) declararam-se disponíveis para entrar no governo. Foi alcançado um acordo de apoio parlamentar da direita radical ao governo minoritário composto por Moderados, Democratas-Cristãos e Liberais. Em troca do apoio, os Democratas Suecos obtiveram:
Redução drástica da quota anual de refugiados.
Medidas mais duras contra a criminalidade.
Maior influência política.
Espanha
O Vox, partido de direita radical espanhol, já integrava ou apoiava executivos em seis comunidades e mais de 140 autarquias antes das últimas eleições legislativas. Apesar de o PP (direita conservadora) ter sido o partido mais votado, a soma com o Vox não foi suficiente para formar governo. O PSOE (centro-esquerda) conseguiu formar governo, juntando à aliança com o Sumar o apoio de nacionalistas bascos, catalães, galegos e canários.
Muitos analistas consideram que o Vox terá atingido o seu pico e estará condenado a ser engolido pelo PP, mas pode ser cedo para tais conclusões. O PP consolida-se como a principal força de direita.
Finlândia
Em junho de 2022, o líder conservador Petteri Orpo anunciou uma coligação com quatro partidos, incluindo o Partido Finlandeses, de direita radical, que ficou em segundo lugar nas eleições. O partido obteve:
Diminuição da quota anual de refugiados.
Mudanças nas regras de imigração.
O governo finlandês enfrentou um escândalo com declarações racistas de dois membros dos radicais a virem a público, levando à demissão de um ministro e à justificação da líder do partido, Riikka Purra.
Países Baixos
A direita radical holandesa, Partido da Liberdade, liderada por Geert Wilders, foi a mais votada nas últimas eleições, com 23,49% dos votos. Wilders tentou formar uma coligação com o partido de centro-direita de Mark Rutte, o partido dos agricultores BBB e o partido centrista NSC, mas este último abandonou as negociações.
Desde que se pôs a hipótese de Wilders formar governo, o seu partido tem subido nas sondagens, ultrapassando já os 30%.
Aprofundar: Foreign Policy, Público (€)
Primeira prova de fogo: a extrema-direita vai ter uma vice-presidência, mas quem vai ser o/a presidente da Assembleia?
Em abril teremos a primeira prova de fogo à forte presença da extrema-direita ditada pelas eleições de domingo passado (10/02/2024). No início do mês os novos 230 deputados serão empossados na Assembleia da República. E a primeira reunião não tem a ver com a governação: os deputados vão eleger o Presidente da Assembleia da República, que é a segunda figura do Estado, tem lugar no Conselho de Estado e substitui interinamente o Presidente da República em caso de impedimento temporário ou vagatura do cargo.
É provável que o cargo volte a ser ocupado por uma mulher do PSD. Teresa Morais, que foi cabeça de lista por Setúbal, poderá suceder a Assunção Esteves (2011-2015). O seu nome faz parte da lista de figuras referidas como possíveis. O outro é José Pedro Aguiar Branco, primeiro da lista em Viana do Castelo e que é apontado ao cargo desde antes da campanha eleitoral.
Se esta era vista como uma escolha pacífica, este ano o seu significado mudou por completo. Tradicionalmente, o partido ou coligação mais votado era quem propunha o candidato a presidente, sendo normalmente apoiado pela maioria dos deputados. A tradição foi alterada em 2015 quando o PSD propôs Fernando Negrão, que não foi aceite, levando à eleição de Eduardo Ferro Rodrigues pelo PS, apoiado pela maioria de esquerda.
Mais do que a subsistência de um sentimento de revanchismo, o PSD tem de gerir o momento com cautela: o nome que apresentar e a forma como conduzir o processo de negociação com as outras bancadas, não apenas para o presidentes mas também para as quatro vice-presidências, serão indicadores da sua disposição para a legislatura. Vai estar debaixo de escrutínio o seu relacionamento tanto à direita (uma novidade) como com a sua esquerda.
A votação é secreta. O candidato a Presidente da AR precisa de uma maioria absoluta de 116 votos, ou seja, só é possível ou com os votos do Chega, ou com parte da bancada socialista (partindo do princípio que os 87 votos de PSD, CDS e IL estão assegurados).
Chega terá uma vice-presidência
Os quatro maiores grupos parlamentares têm direito a propor um candidato para vice-presidente da mesa da Assembleia da República. E se na última legislatura a nomeação da Iniciativa Liberal para vice-presidente foi rejeitada, assim como os nomes sucessivamente propostos pelo Chega, desta vez nem pensar nisso: com 48 deputados, é impossível impedir que um dos cinco lugares do topo do Parlamento não seja ocupado por um deputado ideologicamente anti-democrata.
Recorde-se que em 2022 o Chega falhou as três votações, quando indicou Diogo Pacheco de Amorim, Gabriel Mithá Ribeiro e Rui Paulo Sousa. Os três estão novamente eleitos e a escolha deverá ser favorito de Ventura: o antigo bombista do MDLP (movimento armado de extrema-direita), apesar dos seus 75 anos e de não ser consensual no partido.
Não é claro, nesta altura, se a Iniciativa Liberal avançará com uma proposta, e ainda menos claro o seu nome.
CURTAS
Os homens e as mulheres estão a afastar-se politicamente? Calma... A obra “Men Are From Mars, Women Are From Venus” propôs diferenças fundamentais na comunicação entre homens e mulheres, mas críticas feministas e estudos científicos subsequentes têm questionado a validade das generalizações. • Vox
A Dinamarca vai estender o serviço militar obrigatório às mulheres, visando alcançar a plena igualdade de género nas forças armadas e responder aos desafios de defesa nacional. • CNNP
O International Crisis Group prevê um futuro político sombrio para o Irão, após eleições legislativas dominadas pelos conservadores, numa votação com fraca participação da oposição. • RTP
A Assembleia da República aprovou o levantamento da imunidade parlamentar de Inês de Sousa Real e Pedro Frazão, ambos deputados envolvidos em processos de difamação. • Lusa
O bem-estar em Portugal aumentou, aproximando-se dos níveis da UE nos últimos 30 anos, refletindo melhorias no consumo, tempo de lazer e expectativa de vida. • CNNP
Diminuiu 7,1% em 2023 o número de pessoas com o subsídio de desemprego anulado por não cumprirem as obrigações com os centros de emprego. • Visão
A Comissão Europeia deu a Portugal dois meses para corrigir falhas na transposição das regras da UE sobre trabalhadores sazonais, requerendo a garantia de trabalho e condições de vida adequadas. • CNNP
O Parlamento Europeu aprovou legislação pioneira para regular a inteligência artificial na UE, visando salvaguardar os direitos fundamentais e promover a inovação. • CNNP
Vladimir Putin afirma estar pronto para usar armas nucleares em caso de ameaça à soberania ou à independência da Rússia, sublinhando a preparação técnica do país para tal cenário. • TSF
As autoridades fiscais espanholas estão a investigar Alberto González Amador, companheiro da presidente da região de Madrid, Isabel Díaz Ayuso, por alegada fraude fiscal relacionada com o fornecimento de materiais médicos durante a pandemia. • Euractiv
OPINIÕES
Pedro Santos Guerreiro titula o artigo “obrigadinho, Lucília, pelo lindo serviço que fizeste” e analisa a situação política e o futuro governo à luz das ações do Ministério Público. Na CNNP.
João Costa (ministro da Educação) defende que o ónus da estabilidade política não deve recair sobre o PS, e alerta para eventuais repercussões de entregar a principal oposição ao Chega. No Expresso.
Pedro Norton reflete sobre a divisão do eleitorado entre o Livre e o Chega e pondera o impacto disso no futuro governo. No Público.
David Pontes questiona a suposta indignação dos portugueses, argumentando que o voto para o Chega pode refletir uma onda de sentimentos racistas. No Público.
Ana Sá Lopes reflecte sobre o Chega e como este partido de extrema-direita se tornou uma peça crucial para o futuro Governo da Aliança Democrática. No Público.
Luís Delgado analisa os resultados eleitorais, destacando os votos que o Chega e a ADN receberam. Na Visão.
ETIQUETAS
Um concerto
Musical-mente: Korngold – Liberdade Exilada, Mosteiro São Bento da Vitória, Porto, 27 março 2024 às 19h00. Filipe Pinto-Ribeiro e Rosa Maria Barrantes (piano), Mario Hossen e Valerie Leopold (violino), Marta Potulska (viola), Liliana Kehayova (violoncelo), Leonor Amaral (soprano) - prelúdio politico Irene Pimentel e Nuno Cardoso
Uma peça de teatro
Noite de solidão no capim, Seiva Trupe, Sala Estúdio Perpétuo, Porto, até 27 março 2024. Texto, Encenação e Espaço Cénico: Castro Guedes. Atores: Óscar Branco e Fernando André
Um livro
A Vida na Selva. Autoria: Álvaro Laborinho Lúcio. Editora: Quetzal, 2024. “Álvaro Laborinho Lúcio: ‘A essência da condição humana está no caos, não na norma’. Não é um livro de memórias, longe disso. Mas as lembranças, algumas dos tempos da infância, povoam os textos, como acontece num dos primeiros que compõem o livro, o texto titulado Autobiografia; é nele que Laborinho Lúcio recorda duas horas de espera por uma camioneta que o levasse a casa, tempo usado para escrever uma redacção escolar sobre "uma comunidade de animais falantes", a que justamente deu o título de A Vida na Selva.” José Riço Direitinho
RELEMBRANDO
Não lemos todas as newsletters todos os dias, naturalmente… Podem ter-lhe escapado estes assuntos:
[1.39] A novidade das legislativas: PSD nunca governou sem mandar no partido à sua direita. Foi governo ou em maioria absoluta ou coligação "engolindo" o partido mais pequeno e fofo à direita. O PSD pisa terreno novo com o Chega. Terá de aprender a diferença entre mandar e governar.
[1.32] Sim, é possível destronar a extrema-direita. A ex-comunista alemã Sahra Wagenknecht mostra como. A receita é simples: à esquerda na economia, à direita em assuntos sociais como os imigrantes. Com essa "pedrada" Wagenknecht deixa dois coelhos a coxear: a AfD e o seu antigo partido, Die Linke.
[1.31] Autocracias na União Europeia: o fim de uma era?. Escândalos e corrupção também mancham a extrema-direita. Os regimes autocráticos na Hungria e na Polónia estão a ser desmantelados. O Daily News Hungary interroga: é o fim de uma era? Parece que sim.