[E.5] Direita em maioria ligeira nos colunistas de imprensa diária
Primeira parte deste estudo inovador revela o viés político dos artigos de 99 colunistas que escrevem regularmente sobre política em seis jornais diários e em linha.
Este é o quinto Especial VLV. Depois de quatro sobre os protagonistas, desta vez debruçamo-nos sobre os seus avaliadores, críticos ou elogiosos. Das edições online de seis jornais, seleccionámos 99 colunistas, reunimos os seus textos de análise política mais recentes e, com recurso a um método nunca usado em Portugal, classificámos cada autor com base na análise de conteúdo dos seus textos. O resultado é decomposto num quadro que vai da esquerda à direita passando por centro esquerda, centro e centro direita.
Agregados os dados, as primeiras constatações parecem algo desconcertantes na medida em que desalinham com a percepção conhecida tanto na “bolha” esquerda — que acha que a imprensa é maioritariamente de direita — como na “bolha” direita — que acha precisamente o contrário. A realidade contradiz esses preconceitos: no período em análise, que se reporta a pouco menos de um ano, salvo algumas exceções, os artigos publicados pelos colunistas identificados nestes seis órgãos pautam-se na prática por um equilíbrio, com um ligeiro predomínio à direita.
Pressinto que muitos leitores poderão sentir algum desapontamento com esta constatação. No final, nas conclusões desta primeira parte, abordo o fenómeno que nos viciou na “câmara de eco” que reforça as nossas convicções. Em termos pessoais, este trabalho tornou-se mais estimulante e útil do que imaginava à partida. Precisamente porque me levou a aprender mais sobre as dinâmicas da vida comum pública, em especial a radicalização e um seu efeito secundário que afeta até os intelectos mais treinados: o que em inglês se chama gullibility e neste contexto se pode traduzir por propensão para a credulidade.
Por razões técnicas, dividi o corpo de análise em duas partes. Estou já a preparar a segunda, que reunirá os colunistas da imprensa semanal generalista, jornais e revistas. A minha maior curiosidade — que, estou certo, será partilhada pela leitora e pelo leitor quando concluir este primeiro capítulo — é verificar se este relativo equilíbrio, com os colunistas de três títulos mais virados à esquerda e outros três mais à direita, se mantém.
Índice
Direita tem maioria muito ligeira dos colunistas de imprensa diária: em 99, temos 46 de direita e 42 de esquerda, com 11 situados ao centro. Exceção: os colunistas dos quadros com responsabilidades editoriais
Metodologia: os critérios de escolha, a opção pela Inteligência Artificial em vez da humana, e a grelha de avaliação
O processo final: o prompt para a Inteligência Artificial decidir o rating em função da grelha de avaliação, (e um caso para exemplificar, o de José Pacheco Pereira).
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Como se distribuem pelo espectro político os 99 colunistas: uma lista mais vincada à direita e mais centrista à esquerda
O peso da direita patente na distribuição dos colunistas por meio: um único jornal, o Correio da Manhã, tem colunistas de todos os quadrantes
Direções editoriais tendem ao centro esquerda: a distribuição dos 25 diretores e editores
Comentário político, uma área com menor participação feminina: quatro em cada cinco colunistas são homens, e apenas um jornal apresenta paridade
As listas dos colunistas, o seu rating e classificação, ordenados por meio
Conclusões: Miguel Sousa Tavares no centro esquerda? Maria João Marques não é de direita? O modelo é melhor que eu? As respostas.
Direita tem maioria muito ligeira dos colunistas de imprensa diária
Quando analisadas, de forma rigorosamente imparcial, as tendências dos colunistas da imprensa generalista diária em Portugal, o resultado é um equilíbrio: em 99, temos 46 de direita e 42 de esquerda, com 11 situados ao centro. Mas isso não significa imparcialidade dos meios: quando analisamos órgão a órgão, vemos que três preferem dar o espaço maioritariamente a colunistas do lado direito do espectro e outros três preferem colunistas do lado esquerdo.
Ou seja, a principal conclusão deste estudo original levado a cabo por VamoLáVer é a de que a globalidade da oferta de comentário escrito nos meios analisados — cinco edições online de jornais diários e outro meio online que não tem edição em papel — se caracteriza pelo equilíbrio em geral.
Veremos de seguida as listas de colunistas, divididas por cada um dos seis títulos de imprensa analisados. Por ordem alfabética, Correio da Manhã, Diário de Notícias, Jornal de Notícias, Jornal i, Observador e Público.
Entre os responsáveis editoriais, a tendência é a inversa
Mas há vários desequilíbrios e factos muito interessantes. A começar pela contradição entre as escolhas dos colunistas e a tendência dos responsáveis editoriais. Como veremos em detalhe mais abaixo, 25 dos 99 colunistas são pessoas com responsabilidades editoriais, incluindo pelo menos um proprietário de jornal, vários membros das direções e alguns editores de política. E entre esse corpo de profissionais inverte-se a situação: o viés de centro esquerda sobrepõe-se muito ligeiramente ao viés de centro direita.
Os factos, conclusões e interpretações dos resultados trazem uma nova luz à relação entre os leitores (que se interessam por política) e os meios de comunicação. Algumas ideias pré-concebidas são mesmo desmentidas pela realidade. Mas comecemos por esta: o que é exatamente este estudo e o que mede ele?
O leitor apressado pode saltar os próximos parágrafos, a Metodologia e O processo completo, mas recomendo que não o faça: o próprio processo deste estudo é deveras interessante e ajuda a situar os resultados e as conclusões.
O ponto de partida para este trabalho era um desafio: é possível classificar o viés político e, secundariamente, a cosmovisão de cada colunista de imprensa, de forma o mais imparcial possível, e obter resultados coerentes e úteis?
Os poucos estudos com o objetivo de investigar as inclinações partidárias nos meios de comunicação focam-se na repartição do noticiário pelas forças políticas com representação parlamentar; o mais perto do nosso objetivo de classificar a matéria produzida pelos colunistas (e convém desde já clarificar que é só deles que aqui tratamos, e podem ou não refletir a tendência dominante dos meios em que escrevem, aspeto que não faz parte deste trabalho) é o estudo do MediaLab, cuja edição deste ano (1) passou a incluir imprensa online. Mais que a diferença no objeto (apenas três meios, quando o nosso alvo são 10, os presentes seis neste trabalho e quatro adicionais numa segunda parte a publicar dentro de poucas semanas), a nossa metodologia é radicalmente diferente.
Metodologia
O estudo do MediaLab classifica os colunistas pelo seu perfil conhecido publicamente; o estudo de VamoLáVer ignora as preferências e pertenças, avaliando antes um conjunto que se pretende significativo dos textos mais recentes, e usando para a avaliação de conteúdo uma “grelha” (2) desenvolvida ao longo de anos especificamente para estimar o viés político percebido no conteúdo dos textos publicados pelos meios online.
Em primeiro lugar, era necessário identificar o corpo de colunistas para estudar. Os critérios foram três:
publicam regularmente sobre política, nacional ou internacional
estão em atividade ou estiveram muito recentemente
publicaram um mínimo de 10 artigos elegíveis (recolhidos em função do primeiro critério), de forma a ter densidade para a avaliação de conteúdo
Estes critérios excluíram figuras como José Manuel Fernandes, que não escreve no Observador há muito meses, e Alberto Costa, que está em atividade no Diário de Notícias mas não tinha o mínimo elegível de textos. Também exclui inúmeros políticos, em funções ou não, que publicam artigos como convidados, de forma esporádica.
Uma exclusão digna de menção é a de Filipe Alves: assumiu a direção do Diário de Notícias precisamente no decurso da nossa recolha de textos, pelo que não cumpria o terceiro critério. E por causa disso decidi manter na lista o nome de Bruno Contreiras Mateus, que era o diretor interino do jornal quando a recolha começou, apesar de não saber se irá continuar como colunista.
Em segundo lugar, a avaliação foi levada a cabo sem interferência humana. Foi usado um large language model comercial, o Claude 3.5 da Anthropic, ou seja, recorri a uma inteligência artificial, não a uma inteligência humana. Motivos? Dois:
viabilizar o trabalho de análise de um total de mais de 1.500 artigos dos 99 autores: sem os benefícios de rapidez da IA, a tarefa era impossível de realizar
reduzir a contaminação da Weltanschauung: ela é inerente a todas as inteligências, a artificial não escapa à regra, mas tem um peso muito superior na humana
A propósito, reflito sobre a razão desta discórdia nas Conclusões, mas adianto desde já que se fosse eu a classificar, uns 20 autores teriam outra cor. Está justificado o recurso a uma IA, dada a sua maior isenção.
Em terceiro lugar, a grelha de avaliação. É pública e está disponível no site referido na segunda nota de rodapé. Usa as características de cada tipo de visão sobre os assuntos, desde os impostos aos imigrantes, criminalidade, estado social, etc, para descortinar as preferências, ou inclinações, numa grelha que decompõe o binómio esquerda-direita num mais esclarecedor conjunto de cinco vieses: esquerda, centro esquerda, centro, centro direita e direita.
[Nota técnica, para estudiosos: a aplicação da grelha resulta no estabelecimento de um rating numérico em 13 pontos, entre -6 e 6. Os vieses extremos incluem cada um três pontos de rating (entre -3 e -6 à esquerda e entre 3 e 6 à direita), os centros com inclinação cobrem dois pontos (de -1 a -2,99 e de 1 a 2,99) e o centro cobre dois pontos de rating entre -0,99 e 0,99.]
O processo completo
A grelha foi metida num prompt desenvolvido para pedir ao modelo de IA que analisasse cada conjunto de artigos de cada autor, determinasse um viés e justificasse o porquê. Em seguida, cada um dos 99 conjuntos de textos foi submetido com esse prompt. Os resultados foram guardados numa base de dados.
Por razões de lógica de espaço (este estudo é distribuído por email e tem uma versão de arquivo online), optei por não publicar aqui os resultados completos da avaliação da IA; mas ficam disponíveis em full text e sem edição numa página interativa consultável em endereço publicado mais abaixo, na zona reservada a apoiantes.
Contudo, deixo aqui um exemplo para que se perceba melhor o processo — e se veja como a isenção do modelo pode colidir com os nosso preconceitos pessoais. Eis o que o modelo devolveu depois de “mastigar” 16 dos textos publicados por José Pacheco Pereira no Público entre abril e julho deste ano:
O autor demonstra consistentemente uma perspectiva de centro-esquerda ao longo dos vários textos. Alguns elementos que suportam esta classificação:
1. Crítica frequente à direita radical e populista, especialmente ao partido Chega em Portugal.
2. Defesa de valores progressistas como liberdade de expressão, direitos humanos e democracia.
3. Preocupação com questões sociais como desigualdade e injustiça.
4. Posicionamento crítico em relação a políticas e retóricas nacionalistas e conservadoras.
5. Apoio a manifestações populares de esquerda, como as comemorações do 25 de Abril.
6. Críticas ao governo de direita em Portugal e suas políticas.
7. Defesa de uma visão mais nuançada e crítica da história portuguesa, em oposição a narrativas nacionalistas simplistas.
No entanto, o autor não se alinha completamente com posições de esquerda mais radical:
1. Critica também excessos da esquerda, como censura e 'cultura de cancelamento'.
2. Demonstra algum ceticismo em relação a certas políticas e retóricas de esquerda.
3. Adota por vezes uma postura mais centrista em algumas questões.
4. Valoriza aspectos da identidade e cultura portuguesa, ainda que de forma crítica.
Por estas razões, classifico o autor como Lean Left (-2.0), indicando uma tendência de centro-esquerda moderada, mas não alinhada com posições de esquerda mais extremas.
Como se distribuem pelo espectro político os 99 colunistas
Recordando: submetidas à análise do nosso modelo os textos dos 99 colunistas da imprensa generalista diária em Portugal identificados de acordo com o critério explicado, o resultado é um equilíbrio geral, com 46 de direita, 42 de esquerda e 11 situados ao centro. Isto de forma agregada na dicotomia mais conhecida.
Na realidade, o resultado está decomposto e mostrado na figura seguinte, já em exclusivo para os apoiantes de VamoLáVer:
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