[E.17] Legislativas 2025: as trocas a Norte, com o CH a irromper também no eleitorado da direita
Nos círculos a Norte, PS resiste em Viana; o CH engoliu em massa o voto de protesto, mas entra também no eleitorado da AD, à qual pode tirar um mandato em Bragança. Segundo Especial Legislativas 2025.
Este é o segundo número da série de Especiais VamoLáVer dedicados às eleições legislativas — e já com alguns indicadores úteis para as autárquicas. Enquadramos os 22 círculos eleitorais em “retratos” elaborados com o foco em aumentar as escolhas dos eleitores de cada um deles; isto é: fornecendo um quadro numérico e de interpretação que permita a cada eleitor que leva a política a sério poder usar melhor o seu voto, seja na direção de eleger um deputado de um partido, seja na direção contrária, de contrariar esse partido. Por círculo, veremos quais são os partidos em melhor posição para eleger e quais os partidos que podem ser contrariados.
Nesta edição analisamos os três círculos geograficamente mais a norte de Portugal, todos fazendo fronteira com Espanha. Viana do Castelo, Vila Real e Bragança partilham mais do que a fronteira: são regiões menos desenvolvidas, sobretudo as duas interiores, confirmando que à medida que saímos do litoral a desertificação, o envelhecimento e o abandono aumentam. Os três elegem 13 deputados — não chegam a representar 5% dos 230 mandatos na Assembleia da República.
[ Pode ler aqui o primeiro da série: [E.16] Quem pode ganhar (e perder) mandatos nas Legislativas 2025 ]
ATENÇÃO: este é um artigo longo e por isso é provável que na leitura por e-mail surja cortado no final. Algumas aplicações de correio eletrónico cortam as mensagens que consideram demasiado extensas. Se for o caso, no final estará o botão para ler o resto no site.
🗳️🏛️🇵🇹 Índice
Capítulos abertos
Atenção: maior probabilidade não é certeza — o exemplo com o CH
Conhecendo o método de Hondt — que penaliza os círculos pequenos, como os aqui analisados
🟠 Viana do Castelo: tudo na mesma num círculo com pouca esquerda (e dos mais idosos do país)
Bilhete de identidade eleitoral em 2024: menos um mandato para o círculo
Iniciativas legislativas: PS contribui para representação equilibrada deste círculo
IL teria de duplicar os votos para conseguir um mandato
Só um desastre tiraria um mandato ao PS
🧑🤝🧑📢 Desafios: economia pouco competitiva, despovoamento e envelhecimento
Capítulos fechados
🟠 Vila Real: um feudo da AD
Bilhete de identidade eleitoral em 2024: AD com grande resultado
Iniciativas legislativas: AD assegura alinhamento com a média nacional
Nenhum dos partidos que não elegeram acalenta esperanças realistas de conquistar o seu primeiro mandato
PS obrigado a proteger o seu segundo mandato, com a AD à espreita
🧑🤝🧑📢 Desafios: rendimentos baixos, espiral demográfica e potencial por explorar no turismo e agricultura
🟠 Bragança: alternância do “bloco central”, com CH a agregar todos os descontentes
Bilhete de identidade eleitoral em 2024: AD recupera deputado perdido
Iniciativas legislativas: representatividade dentro do normal
CH pode sonhar em eleger o seu primeiro deputado
AD está vulnerável à perda de um mandato, tem uma margem pequena sobre o CH, inferior a 5% dos seus votos
🧑🤝🧑📢 Desafios: despovoamento e estagnação económica
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Atenção: maior probabilidade não é certeza — o exemplo com o CH
No primeiro Especial desta série estão expressos quatro capítulos importantes para compreender melhor os cenários eleitorais e o objetivo desta cobertura das eleições de 18 de maio, tão diferente da que podemos encontrar nos jornais e televisões. Não vale a pena repetir em todos os números, mas ficam os links para os novos leitores e para os que tenham passado em claro — ou simplesmente queiram reler:
Explicação: há mais sentidos para o voto do que apenas escolher um Governo
A malha fina dos círculos eleitorais versus as sondagens nacionais (ou como é fácil tirar um deputado ao CH em Coimbra)
Perfis semelhantes, desfechos diferentes
Os três círculos aqui analisados tem perfis semelhantes, mas os resultados antecipam direções diferentes — ou, melhor dizendo, os cálculos feitos com base nos resultados apontam desfechos potencialmente diferentes. Assim:
é pouco provável que o PS perca algum deputado por Viana do Castelo, mas um deputado por Vila Real está seguro por pouco mais de 5% dos votos
é improvável que a AD perca algum deputado em Viana e em Vila Real, mas um dos dois mandatos por Bragança está seguro por uma margem de 4% dos votos
é improvável que o PS ganhe mais algum deputado
o CH tem os seus deputados seguros e persegue o mandato menos seguro da AD
Resumindo: Viana do Castelo é pouco suscetível a alterações da configuração 2-2-1, em Vila Real há alguma probabilidade realista de PS perder um mandato para a AD e Bragança é a mais suscetível a uma reconfiguração para 1-1-1, com um mandato a sair da AD para o CH.
Mas sublinhe-se, precisamente por estarmos a analisar estes dois últimos círculos, que esta é uma previsão baseada em probabilidades e que há sempre margem para estes cálculos saírem errados. É seguro que tal aconteça, tal como é seguro que aconteça com pouca frequência.
Em Vila Real aconteceu, precisamente. O CH teve 791 votos em 2019, nem chegou a 1 por cento, quase decuplicou em 2022 (7 573 votos ) e quase triplicou em 2024, 20 032 e o primeiro deputado. Em Bragança tivemos praticamente o mesmo, com a diferença que o CH não chegou a eleger (o círculo elege apenas 3 deputados, se fossem 4, esse seria da extrema-direita.
Veremos nos respetivos capítulos com um pouco mais de detalhe o que sucedeu nesses círculos eleitorais nesta última década, com quatro eleições legislativas. Por ora, cabia a demonstração de que as previsões não são garantias — são apenas graus de probabilidade.
E é altamente improvável que, além de PS, AD e CH, mais algum partido eleja nestes três círculos.
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🍰 Conhecendo o método de Hondt — que penaliza os círculos pequenos
Como já referi no primeiro artigo da série, uma das vantagens desta análise é ficarmos familiarizados com um dos aspetos mais importantes das eleições, que é a forma como os votos se traduzem em representantes dos eleitores. É vendo a distribuição dos mandatos em cada círculo que ficamos a conhecer a fragilidade a a robustez de cada partido nesse círculo.
O método de Hondt é um sistema de representação proporcional utilizado para converter votos em mandatos parlamentares. Cada partido apresenta uma lista de candidatos por círculo eleitoral, e os votos recebidos por cada lista são divididos por uma sequência de números inteiros (1, 2, 3, 4, …), gerando quocientes. Os mandatos são atribuídos um a um aos maiores quocientes resultantes dessa divisão, até serem distribuídos todos os lugares disponíveis no círculo. Assim, quanto mais votos um partido tiver, mais vezes conseguirá colocar um quociente entre os maiores, obtendo mais mandatos.
Este método favorece ligeiramente os partidos mais votados, pois os quocientes decrescem mais lentamente quanto maior for o número de votos iniciais. Apesar disso, mantém um grau de proporcionalidade mais elevado do que sistemas maioritários, permitindo a representação de partidos médios e pequenos, desde que atinjam um número de votos relevante. O método de Hondt é utilizado em vários países europeus, incluindo Portugal e Espanha, sendo aplicado a nível distrital, o que significa que a proporcionalidade total depende também do número de deputados atribuídos a cada círculo eleitoral.
Pontos fortes:
estabilidade governativa: Ao favorecer ligeiramente os partidos mais votados, o método de Hondt tende a reduzir a fragmentação parlamentar, o que pode facilitar a formação de maiorias estáveis e governos duradouros. Isto evita situações de ingovernabilidade frequente, comuns em sistemas mais proporcionalistas.
simplicidade e transparência: O método é matematicamente simples de aplicar e fácil de auditar. Cada mandato é atribuído com base em quocientes concretos, o que permite seguir o processo de atribuição passo a passo e verificar os resultados com clareza.
representação proporcional ajustada: Garante uma proporcionalidade aceitável, assegurando que os partidos com expressão relevante tenham representação, mas penalizando ligeiramente os muito pequenos, o que pode evitar excesso de fragmentação.
Pontos fracos:
desvantagem para partidos pequenos: Apesar de ser um método proporcional, a sua inclinação em favor dos partidos com mais votos pode impedir que partidos pequenos ou emergentes consigam eleger representantes, especialmente em círculos com poucos mandatos.
dependência da magnitude dos círculos: A proporcionalidade real do método depende fortemente do número de deputados eleitos por cada círculo. Em círculos pequenos (com poucos mandatos), os efeitos de distorção aumentam, dificultando a entrada de novas forças políticas.
votos "perdidos": Muitos votos acabam por não se traduzir em representação, especialmente se forem dispersos entre partidos que não atingem os quocientes necessários. Isto pode gerar frustração nos eleitores e uma perceção de que o voto em partidos pequenos "não conta".
Como corrigir os defeitos do método?
Há várias propostas para corrigir os pontos fracos do método de Hondt, especialmente a sub-representação de partidos pequenos e a distorção provocada pelos círculos eleitorais com poucos mandatos. Alguns partidos pequenos têm insistido na reforma do sistema eleitoral nesse sentido, perante a impassividade de PSD e PS. Aqui estão as principais propostas, a começar pelo círculo de compensação nacional, o mais falado.
1. Círculo de compensação nacional (ou círculos de compensação regionais)
✅ Solução mais comum em sistemas proporcionais mistos.
Após a atribuição de mandatos nos círculos eleitorais, há um número adicional de mandatos (os chamados “mandatos de compensação”) que são distribuídos a nível nacional ou regional para corrigir desequilíbrios na proporcionalidade global.
Isto permite que partidos que tenham tido uma votação significativa a nível nacional, mas não elejam nos círculos mais pequenos, possam ainda assim obter representação.
Exemplos reais: Suécia, Alemanha (com o seu sistema misto), Islândia, entre outros.
2. Aumento da magnitude dos círculos
✅ Mais proporcionalidade sem mudar o método.
Aumentar o número de deputados por círculo reduz o efeito penalizador sobre partidos pequenos, pois os quocientes necessários para obter mandatos diminuem.
Isto pode ser conseguido, por exemplo, fundindo círculos pequenos em regiões maiores.
Limitação: pode reduzir a ligação entre eleitos e eleitores, e gerar resistências políticas locais.
3. Adoção de um sistema misto (proporcional + uninominal)
🔀 Combina proporcionalidade com representação direta.
Parte dos deputados seria eleita por círculos uninominais (um por círculo), e outra parte por listas nacionais ou regionais com distribuição proporcional.
Pode manter a ligação geográfica com os eleitores e, ao mesmo tempo, corrigir distorções de proporcionalidade.
Exemplos reais: Alemanha, Nova Zelândia.
4. Alteração do método de conversão de votos em mandatos
🧮 Menos favorecimento aos grandes partidos.
Substituir o método de Hondt por um mais proporcional, como o método Sainte-Laguë, que usa divisores ímpares (1, 3, 5…) e tende a favorecer menos os partidos grandes.
Isto pode ser tecnicamente fácil de aplicar, mas tem implicações políticas mais sensíveis.
5. Eliminação ou redução do limiar mínimo de votos
📉 Facilita entrada de pequenos partidos.
Em alguns países, há um limiar mínimo (como 3% ou 5% dos votos) para se ter direito a representação. Reduzir ou eliminar esse limiar pode melhorar a proporcionalidade.
Portugal não tem um limiar formal, mas o sistema acaba por funcionar como se tivesse um limiar "efetivo", variável conforme o círculo.
No próximo Especial Legislativas volto ao método de Hondt para apresentar uma proposta prática de correção. Boa altura para assinar VamoLáVer ou, se já é subscritor, para se tornar num apoiante e ajudar o projeto!
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🟠 Viana do Castelo: tudo na mesma num círculo com pouca esquerda (e dos mais idosos do país)
O círculo eleitoral de Viana do Castelo “emagreceu” um mandato nas últimas eleições, perdido para Setúbal num dos ajustes normais pela Comissão Nacional de Eleições (justificado pela mudança populacional, com este círculo a perder 5% da população numa década). É um círculo com ligeiro pendor de direita, com o PSD a levar alguma vantagem quando associado ao CDS. Não se nota nas vitórias, com os dois blocos em igualdade com quatro cada, mas expressa em mandatos conquistados: no total das oito eleições, PSD e CDS tiveram 21 mandatos, o PS 18 (e o CH um, no ano passado).
Como veremos no quadro do desempenho comparado, os outros partidos de esquerda estão sub-representados em Viana do Castelo.
Não é fácil o PS perder um dos seus dois mandatos: teria se ser “castigado” por quase 20% do seu eleitorado no círculo. Pelo que não se deverá alterar o quadro do ano passado.
Bilhete de identidade eleitoral em 2024
Eleitores inscritos: 233 491
Votos expressos: 142 913 (61,21%)
5 mandatos
2: AD 49 613 (34.72%)
2: PS 40 237 (28,15%)
1: CH 26 635 (18 64%)
Desempenho comparado
A AD tem um desempenho melhor em Viana do Castelo do que a nível nacional (+6.70 pontos percentuais). O PS tem um desempenho semelhante (+0.15 pontos percentuais) e o CH tem um desempenho ligeiramente melhor (+0.57 pontos percentuais). A IL, o BE, o PCP-PEV e o L têm um desempenho pior.
🎤 Número de iniciativas parlamentares apresentadas por deputados eleitos por Viana do Castelo
Viana do Castelo tem 5 deputados, o que representa 2.17% do total de 230 deputados. Esses 5 deputados apresentaram 100 iniciativas, o que representa 2.02% do total nacional.
Por partidos:
CH: 46 (3,26 do seu total nacional)
PS: 34 (5,12%)
PSD: 20 (3,33%)
A representação de Viana do Castelo em termos de iniciativas legislativas está alinhada com a sua representação parlamentar.
Os deputados do PS por este círculo estiveram mais ativos, contribuindo para que Viana do Castelo tenha uma percentagem ajustada do total do país.
📊 Progressão dos mandatos
Como os mandatos são distribuídos de acordo com o método de Hondt, vemos abaixo a progressão da distribuição.
Ou seja:
AD: mandatos 1 e 4
PS: mandatos 2 e 5
CH: mandato 3
😁 Se existisse mais um mandato, o 10º, que partido o teria resgatado?
A AD conquistaria o seu 3º mandato com o seu quociente seguinte, 16 537,7 (divisor 3)
🤞 Partidos mais perto de eleger o seu primeiro deputado?
IL: faltaram 5 052 votos (precisava de crescer +99%)
BE: faltaram 5 232 votos (precisava de crescer +106%)
😰 Partido mais perto de perder um deputado?
O segundo mandato do PS foi atribuído com uma vantagem de 7 354 votos que corresponde a 18% do seu total, ou seja, trata-se de um risco pequeno.
Partido em risco: PS (2.º mandato, quociente 20 118,5)
Votos a perder: 7 354 (18,28% dos votos do PS)
Partido que ameaça: CH (quociente 18 549,3)
🧑🤝🧑📢 Economia pouco competitiva, despovoamento e envelhecimento
O distrito mais a norte de Portugal enfrenta atualmente uma combinação de desafios estruturais que exigem atenção prioritária no debate político. Com uma população de aproximadamente 231.800 habitantes distribuídos por 10 concelhos, Viana do Castelo apresenta indicadores que revelam fragilidades económicas e sociais preocupantes.
Economia fragilizada e pouco competitiva
A economia do distrito caracteriza-se por salários consideravelmente abaixo da média nacional. Segundo dados do INE, o ganho médio mensal em Viana do Castelo situa-se nos 987 euros, cerca de 15% inferior à média portuguesa (1.161 euros). Esta disparidade salarial contribui para a emigração, especialmente entre os jovens qualificados.
O tecido empresarial é dominado por micro e pequenas empresas, que representam 96,8% do total. Apesar da resiliência destas estruturas, a sua reduzida dimensão limita a capacidade de inovação e internacionalização. A taxa de desemprego, embora tenha diminuído para 6,7% em 2022, mantém-se acima da média nacional em alguns concelhos do interior do distrito.
O setor industrial, tradicionalmente forte na região, tem enfrentado dificuldades de modernização. A indústria têxtil, do mobiliário e da cerâmica, que representam 27% do emprego local, sofrem com a concorrência internacional e a falta de investimento em digitalização.
Despovoamento e envelhecimento: uma tendência alarmante
O despovoamento representa um dos maiores desafios sociais. O distrito perdeu 5,4% da sua população na última década, segundo os Censos 2021. Esta tendência é particularmente grave nos concelhos do interior, como Arcos de Valdevez e Melgaço, onde algumas freguesias perderam mais de 15% dos seus habitantes.
O índice de envelhecimento agrava-se a um ritmo preocupante, situando-se atualmente em 217,5 idosos por cada 100 jovens, bastante superior à média nacional de 182,1. Esta realidade coloca pressão sobre os serviços sociais e de saúde, já de si fragilizados pela centralização e falta de recursos.
Acessibilidades e serviços: interior penalizado
A cobertura de serviços públicos fundamentais revela assimetrias significativas. Nos concelhos do interior do distrito, 22% da população reside a mais de 30 minutos de um hospital, contra apenas 5% nos concelhos do litoral. A redução de serviços públicos afeta particularmente a população mais idosa e de menor rendimento.
No campo da habitação, verifica-se uma contradição preocupante: enquanto cerca de 12% das habitações estão vazias ou são de uso sazonal, os preços aumentaram 34% nos últimos cinco anos, tornando o acesso à habitação um problema crescente, sobretudo para os jovens.
A educação como desafio e oportunidade
Apesar dos avanços, 53,6% da população adulta tem apenas o ensino básico, dificultando a adaptação às novas exigências do mercado laboral. O Instituto Politécnico de Viana do Castelo, com cerca de 4.300 estudantes, representa um ativo estratégico para a qualificação, mas a fixação destes talentos continua a ser um desafio por resolver.
A combinação destes fatores económicos e sociais representa um ciclo que necessita de intervenção coordenada e investimento estratégico para reverter tendências que ameaçam a sustentabilidade do desenvolvimento regional.
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