[1.15] AD: o segredo está na distribuição dos votos. 10.224, emprestados a juros pelo "banco" do CDS
Por 10.224 cirúrgicos votos pedidos emprestados ao CDS em seis distritos bem escolhidos, a AD teria evitado a maioria absoluta do PS em 2022. É truque? É inteligente. É aproveitar o método de Hondt.
Número especial de VamoLáVer com um exercício que visa explicar o que tem o centro-direita a ganhar com a coligação entre PSD e CDS (o PPM é apenas decorativo). Usando os resultados de 2022, vamos ver como em seis distritos os votos coligados valem decisivamente mais que divididos por dois partidos.
ANÁLISE
AD: o segredo está na distribuição dos votos (10.224 teriam evitado a maioria absoluta do PS)
Se a Aliança Democrática tivesse concorrido às eleições de 2022, teria roubado a maioria absoluta ao PS e alguma força à extrema-direita. Esta é a principal conclusão da aplicação das regras de escrutínio em Portugal, nomeadamente a “nossa” versão do método de Hondt, aos resultados oficiais.
Note-se desde já que este exercício tem o único objetivo de ajudar a explicar as vantagens diretas e mensuráveis da coligação, ou seja, a maximização dos resultados tirando partido das regras de distribuição de mandatos. As condições das próximas eleições de março são muito diferentes. O desgaste (ou melhor: os desgastes) do PS enquanto partido de governação é o primeiro responsável pela sua expectável menor votação, à qual corresponderá a subida generalizada dos demais partidos. Mesmo sem AD, o PSD elegeria provavelmente mais deputados.
Por outro lado, há mais dinâmicas envolvidas que tornam a coligação numa solução preferencial para o partido do centro-direita. Delas falámos na edição 1.12 de VamoLáVer, intitulada AD: rebranding do centro-direita é o mais significativo evento depois da geringonça. Umas dessas dinâmicas — a utilização da sigla AD e o reforço da ligação à histórica coligação da direita em 1979 — explica a inclusão de um partido sem rigorosamente nenhuma expressão eleitoral: o PPM não contribui em nenhuma contabilidade para o reforço de deputados que a coligação obterá por força do método de Hondt.
PS com 115 deputados
Explicação feita, continuemos com o exercício, que expõe outros elementos de análise muito interessantes para o cidadão eleitor, e não apenas para os quadros e militantes ativos dos partidos, além dos politólogos.
Concorrendo coligado com o CDS, o PSD obteria mais seis lugares na Assembleia da República, cinco dos quais viriam do PS e um viria do CH. A AD teria 78 deputados eleitos (em vez de 72), o CH teria 11 (em vez de 12) e o bloco da direita somaria mais cinco assentos no Parlamento. Estes transitariam do PS, que ficaria com 115 — isto é, ficaria a faltar um para a maioria absoluta, que consiste em ter 116 deputados (metade de 230 mais um). Os outros partidos à esquerda e à direita manteriam o mesmo número de lugares.
A geografia das permutas de deputados é o ponto mais interessante para as análises. Uma síntese:
todas as alterações ocorreriam no centro e norte
AD derrotaria o PS em dois círculos eleitorais pequenos, Bragança (3 lugares) e Vila Real (5) e um médio, Leiria (10)
PS mantinha os 19 deputados pelo Porto, onde o deputado a mais para a AD viria do CH
mesmo com menos um deputado, o PS venceria em Coimbra
PS e AD dividiriam os 2 deputados de Portalegre
Portalegre: o paradigma da lógica da AD
O distrito português com menos população é o paradigma da lógica de maximização de votos por parte da AD. Os 100.000 habitantes de Portalegre elegem apenas dois deputados. Desde 2011 que a direita não elege nenhum. Em 2022 o PSD obteve 12.433 votos e ficou a 205 votos de eleger o seu deputado. Os 635 votos do CDS teriam evitado que a distribuição de acordo com o método da média mais alta entregasse ao PS (que teve 25.276 votos) o segundo deputado deste círculo eleitoral.
O método de Hondt favorece os partidos ou coligações que obtenham maior número de votos. E a distorção é tanto maior quanto menos mandatos um determinado círculo eleger. O que significa, também, que os círculos menos populosos “desperdiçam” mais votos: em Portalegre metade dos votos não “elegeram”, por assim dizer, nenhum deputado, enquanto em Lisboa, o círculo com mais eleitores, 95% dos votos “contaram” para algum deputado.
Portalegre (menos populoso, elege dois deputados)
Lisboa (mais populoso, elege 48 deputados)
O método de Hondt é alvo de críticas por causa destas características. Mas nenhum método é isento delas, todos têm algumas distorção ou injustiça relativa. Contudo, não é objeto deste exercício, que apenas visa — repito — entender as motivações práticas do PSD para se coligar. E, já agora, o método de Hondt está também na distribuição dos mandatos ao Parlamento Europeu, que vai a votos em junho.
Onde estavam os 10.224 votos
Os olhos do PSD estão atentos a mais círculos. Se Portalegre é o paradigma por ser o menor contribuinte, o caso de Bragança é ainda mais pertinente para a “força” do sistema de distribuição de mandatos. Bastariam mais 12 votos para vencer o PS e eleger dois deputados em vez de um. Atente na seguinte imagem:
A imagem seguinte situa com exatidão numérica e geográfica os votos do CDS cobiçados pelo PSD. A coluna “votos para o próximo deputado” é o cadinho onde está o ouro: o método de Hondt permite seguir a atribuição de cada mandato, pois eles são distribuídos de acordo com a fórmula em que cada mandato é sucessivamente atribuído à lista cujo número total de votos dividido pelos números inteiros sucessivos, começando na unidade (isto é, no número 1) seja maior (desculpe a tecnicidade). Assim sabemos que em Bragança o terceiro mandato foi decidido por uma diferença de 12 votos; somando os 1.373 que o CDS obteve no distrito, o mandato teria ido para a coligação e não para o PS.
Este “rendilhado” é estudado com atenção por todos os partidos. Não é propriamente um segredo. É apenas uma matéria que nem sempre é explicada. Aventá-la, vamos lá ver, é uma forma de mostrar que a coligação tem um ponto de partida muito prático e realista.
Dados: MAI. Cálculos: adaptação de dhont.
ETIQUETAS
Uma exposição (na verdade, duas)
Magia e devoção: Francisco Tropa, Galeria Quadrado Azul, Lisboa, até 20 de Janeiro 2024, 2ªF a sábado, das 15h às 19h. “Fortaleza da Solidão na Galeria Quadrado Azul corresponde a duas exposições onde, sob o sortilégio de Francisco Tropa, se reúnem os sentidos do jogo, da magia e da devoção. (…) Francisco Tropa regressa, assim, a um fazer que tem vindo a cultivar: permitir aos objectos que produzam as suas próprias imagens, sem a mediação da fotografia. Em vez de fotografar, ampliou a lâmina da ágata. “Aqui estou”, parece dizer-nos a imagem da lâmina da pedra, com a sua mágica, cortante e vertiginosa beleza.” José Marmeleira
Um espetáculo audiovisual
Nik Colk Void & Maotik - Beyond Echoes, Culturgest, Lisboa,23 FEV 2024, 21:00 “Nik Colk Void é uma artista e produtora de música eletrónica com percurso fundamental a solo, colaborativo ou como membro dos Factory Floor ou Carter Tutti Void. Maotik é o projeto de Mathieu Le Sourd, um dos mais prolíferos artistas visuais da atualidade, com trabalhos apresentados em locais e festivais em todo o mundo, criando momentos em que a realidade e o espaço são alterados e manipulados com resultados impactantes.”
Um livro
Morte e Democracia. Autoria: José Gil Editora: Relógio D’Água, 2023. José Gil: “As democracias liberais chegaram a uma espécie de limite”. António Guerreiro: “Se nos precipitarmos sobre Morte e Democracia (um dos melhores livros de 2023 para o Ípsilon) supondo que se trata de um livro de filosofia política, talvez comecemos logo nas primeiras páginas a chocar contra alguns obstáculos, a perceber que José Gil opera significativos desvios em relação às tradicionais tipologias filosófico-políticas.”