[E.10] Ministra da Saúde por um fio: balanço de oito meses de polémicas, demissões e greves
"Tumultosa" é a palavra que melhor define a relação de Ana Paula Martins com o setor que tutela. Não é fácil: a Saúde precisa de um super-herói e a ministra mal supera a fasquia da incompetência
Passaram oito meses desde que o Governo Montenegro tomou posse. Mas o país já percebeu que a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, é o elo mais fraco da governação.
Essa é uma posição absolutamente merecida, mas com um quinhão de injusta. Como iremos ler neste especial com um balanço do que sucedeu em oito meses neste setor, a situação de caos na Saúde precisaria de uma super-ministra e Ana Paula Martins está no limiar da competência, para ser simpático.
No preciso instante em que escrevo esta abertura, às 18 horas do dia 19 de novembro, foi notícia que o Governo se enganou nas contas e afinal o SNS vai ter saldo negativo de 217 milhões em 2025. Foi o Ministério da Saúde, de Ana Paula Martins, que admitiu que o saldo do Serviço Nacional de Saúde vai ser negativo, num aditamento à nota explicativa do Orçamento do Estado.
Desde as promessas de Luís Montenegro na campanha eleitoral — algumas cumpridas, como veremos num capítulo sobre elas no final deste Exclusivo, sem que esse cumprimento tenha o menor impacto — até ao presente momento, o setor não conheceu nem um dia de paz, nem um avanço decente, para já não pedir significativo, na qualidade e quantidade dos atos de saúde proporcionados pelo SNS.
E teve alguns episódios negros que noutros tempos, noutros governos (do PSD ao PS), teriam levado à demissão do ministro da tutela.
Para obter um quadro o mais próximo possível da realidade e factos conhecidos, recolhi as notícias — e só as notícias, deixando de fora opiniões e artigos que possam estar enviesados — publicadas por três marcas de informação que têm o meu maior respeito e o mais elevado grau de confiança que consigo atribuir em Portugal: a agência noticiosa Lusa, o diário Público e o semanário Expresso.
Após filtrar e limpar as mais de 3.000 peças recolhidas, recorri a modelos de linguagem para obter sínteses e listas a partir de cerca de 1.000 notícias que identifiquei como relevantes. Desse quadro resultam os capítulos a seguir listados, que poderá ler na totalidade (cerca de 35 a 40 minutos) ou indo direito os seus preferidos. Um glossário no fim poderá a colmatar alguma imprecisão resultante da leitura não linear.
Nota: a leitura integral deste Exclusivo VamoLáVer é reservada aos apoiantes, mas com um capítulo, o primeiro, em leitura aberta. Se é um assinante da versão grátis, terá a fechar um botão que permite apoiar — e abrir o resto do artigo.
Índice
Ana Paula Martins: uma ministra da saúde em mares turbulentos
uma relação tumultuosa: médicos, enfermeiros e sindicatos em rota de colisão
críticas ao plano de emergência para a saúde
demissão de Fernando Araújo e a questão da autonomia do SNS
gestão política dos dossiês: entre a comunicação e a ação
o caso dos mapas das urgências encerradas: um exemplo de falha de comunicação
o debate sobre o financiamento do SNS: uma questão central
confronto com a oposição: ataques e defesas num cenário de polarização
Pedro Nuno Santos: um crítico afiado
Bloco de Esquerda e PCP: críticas à privatização e à falta de investimento
Luís Montenegro: defesa da ministra e do plano de emergência
conclusões: um legado em construção
Panorama da saúde em Portugal: desafios e perspectivas
falta de médicos de família: um problema endémico
urgências sobrelotadas e encerramentos: uma crise recorrente
envelhecimento da população e doenças crónicas: novos desafios para o sns
descentralização e autonomia hospitalar: um processo em curso
financiamento e sustentabilidade do sns: um debate permanente
perspectivas futuras: entre a incerteza e a esperança
Polémicas e casos envolvendo a ministra da Saúde, Ana Paula Martins
críticas à nomeação e posição sobre a privatização
gestão do INEM
gestão das urgências
outras polémicas e casos
conclusão
Perfil da ministra da Saúde: marcada por equívocos e falta de tacto
incompetência na gestão da crise do INEM
demissão de Fernando Araújo e controvérsia das uls
falta de tacto e diálogo
outras polémicas
conclusões
Cronologia de eventos e afirmações da ministra da Saúde
Oito meses, onze demissões (e uma recusa)
De março a novembro, greves não param: enfermeiros, médicos, farmacêuticos e técnicos do INEM
enfermeiros
médicos
outros
promessas de Luís Montenegro para a Saúde
promessas concretizadas na Saúde: um olhar detalhado
pontos em aberto
Ana Paula Martins: uma ministra da Saúde em mares turbulentos
A gestão da saúde em Portugal tem sido palco de intensos debates e controvérsias, e a atuação da ministra Ana Paula Martins não tem passado despercebida. Desde a sua nomeação, a ministra tem enfrentado críticas num contexto marcado por desafios complexos e pela necessidade de reformas estruturais no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Este artigo analisa o desempenho da ministra da Saúde, focando na sua relação com as entidades e pessoas do setor, no tratamento e educação dessa relação, na sua gestão política dos dossiês da saúde e no confronto com os políticos da oposição.
Uma relação tumultuosa: médicos, enfermeiros e sindicatos em rota de colisão
A relação da ministra da saúde com os profissionais de saúde tem sido marcada por tensões e desencontros. As greves de médicos e enfermeiros, convocadas pelos respetivos sindicatos, são um sinal evidente da insatisfação com as políticas do Governo na área da saúde. A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) têm criticado a ministra por alegada falta de diálogo, intransigência negocial e por medidas consideradas insuficientes para resolver os problemas do SNS.
Críticas ao Plano de Emergência para a Saúde
Um dos principais pontos de divergência entre a ministra e os profissionais de saúde tem sido o Plano de Emergência para a Saúde, apresentado por Ana Paula Martins em maio de 2024. O plano, que visa dar resposta aos problemas mais urgentes do SNS, como as longas listas de espera e a falta de médicos de família, tem sido alvo de críticas por parte dos sindicatos, que o consideram um "conjunto de boas intenções" sem medidas concretas para resolver os problemas estruturais do sistema .
Os sindicatos argumentam que o plano se baseia em incentivos para os profissionais trabalharem mais horas extras, o que pode levar à exaustão e à desmotivação, em vez de apostar na valorização das carreiras e na contratação de mais profissionais. A falta de investimento na saúde e o crescente recurso ao setor privado também são alvo de críticas, com os sindicatos a acusarem a ministra de querer "privatizar o SNS aos bocados".
Demissão de Fernando Araújo e a questão da autonomia do SNS
A demissão de Fernando Araújo, diretor executivo do SNS, em abril de 2024, após a ministra lhe ter dado 60 dias para apresentar um relatório com as reformas em curso, também gerou polémica e expôs fragilidades na relação entre a tutela e a liderança do SNS. A forma como a demissão foi conduzida e a exigência de um relatório num prazo tão curto foram interpretadas por alguns como uma tentativa de controlo político sobre o SNS e uma limitação da sua autonomia.
O relatório, que acabou por ser entregue em metade do tempo previsto, aponta para a necessidade de maior autonomia para as instituições de saúde, menos burocracia e um foco nos utentes mais vulneráveis. A equipa de Fernando Araújo defende que a DE-SNS cumpriu os seus objetivos e que a mudança da cultura do SNS estava em curso, apesar das dificuldades e da "fragilidade" do sistema.
A saída de Fernando Araújo e a nomeação de um novo diretor executivo levantaram questões sobre a continuidade das reformas em curso e sobre a capacidade da ministra para liderar o processo de transformação do SNS.
Gestão política dos dossiês: entre a comunicação e a ação
Ana Paula Martins tem procurado imprimir uma marca pessoal na sua gestão da pasta da saúde. A ministra tem apostado numa comunicação ativa, utilizando as redes sociais e os meios de comunicação tradicionais para divulgar as suas iniciativas e para se aproximar dos cidadãos. No entanto, a sua comunicação tem sido por vezes criticada por ser excessivamente focada na imagem e por não corresponder a ações concretas no terreno.
O caso dos mapas das urgências encerradas: um exemplo de falha de comunicação
Um exemplo da dificuldade da ministra em gerir a comunicação e a ação política foi o caso dos mapas das urgências encerradas. No início do seu mandato, Ana Paula Martins defendeu que a publicação destes mapas era desnecessária, argumentando que os cidadãos deviam ligar para a linha SNS24 para obterem informação sobre as urgências. No entanto, perante a pressão da opinião pública e a crítica dos partidos da oposição, a ministra acabou por recuar e a divulgar os mapas no Portal do SNS.
Este episódio, que gerou alguma confusão entre os utentes e expôs a ministra a críticas por falta de coerência, ilustra a dificuldade em conciliar a comunicação política com a realidade complexa do SNS.
O debate sobre o financiamento do SNS: uma questão central
A questão do financiamento do SNS tem sido central no debate político sobre a saúde. Os partidos da oposição têm acusado o Governo de subfinanciar o SNS e de favorecer o setor privado. A ministra tem defendido que o orçamento da saúde tem vindo a aumentar e que o Governo está empenhado em garantir a sustentabilidade do sistema. No entanto, as dificuldades financeiras do Estado e a necessidade de controlar a despesa pública limitam a margem de manobra da ministra para aumentar o investimento na saúde.
Confronto com a oposição: ataques e defesas num cenário de polarização
O desempenho da ministra da saúde tem sido alvo de críticas por parte dos partidos da oposição, que a acusam de incompetência, falta de visão estratégica e de estar a conduzir o SNS para a privatização. O Partido Socialista (PS), principal partido da oposição, tem sido particularmente crítico, acusando a ministra de não ter conseguido dar resposta aos problemas do SNS e de ter agravado a crise no setor.
Pedro Nuno Santos: um crítico afiado
Pedro Nuno Santos, secretário-geral do PS, tem liderado a ofensiva contra a ministra da saúde, acusando-a de "silêncio ensurdecedor", "passa-culpas" e de ter "medo da verdade" em relação aos problemas do SNS. O líder socialista tem defendido que a situação do SNS é "bem mais grave do que há um ano" e que as medidas implementadas pelo Governo têm sido insuficientes para dar resposta aos desafios do setor.
Bloco de Esquerda e PCP: críticas à privatização e à falta de investimento
O Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) também têm sido críticos em relação à atuação da ministra da saúde. Os dois partidos acusam o Governo de estar a promover a privatização do SNS e de não investir o suficiente no sistema público de saúde. O BE e o PCP defendem a necessidade de um reforço do investimento público na saúde, a valorização dos profissionais de saúde e a garantia do acesso universal e gratuito aos cuidados de saúde.
Luís Montenegro: defesa da ministra e do Plano de Emergência
Luís Montenegro, primeiro-ministro, tem defendido a atuação da ministra da saúde e o Plano de Emergência para a Saúde. O líder do PSD argumenta que o plano está a ser implementado e que os seus resultados se farão sentir a médio prazo. Montenegro também tem criticado a oposição por "fazer política" com a saúde e por não apresentar soluções alternativas.
Conclusões: um legado em construção
O desempenho de Ana Paula Martins como ministra da saúde tem sido marcado por controvérsia e desafios. A sua relação com os profissionais de saúde tem sido tensa, com greves e críticas ao Plano de Emergência para a Saúde. A demissão de Fernando Araújo, diretor executivo do SNS, expôs fragilidades na gestão política do setor. A comunicação da ministra tem sido por vezes criticada por ser mais focada na imagem do que na ação.
O confronto com a oposição tem sido intenso, com acusações de incompetência e de privatização do SNS. No entanto, é importante ressalvar que a ministra herdou um sistema de saúde com problemas estruturais, que exigem soluções a longo prazo. O legado de Ana Paula Martins como ministra da saúde ainda está em construção, e só o tempo dirá se as suas políticas terão um impacto positivo na saúde dos portugueses.
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