🇪🇺 🗳️ 😱 Eleições dramáticas: está à beira da extinção o equilíbrio entre esquerda e direita que governou a União desde sempre
Estamos no limiar de uma mudança tectónica na composição do PE, com o bloco das três direitas hegemónico versus liberais e sociais-democratas em perda, para não falar da esquerda reduzida a pó.
Todas as projeções confirmam a evolução em curso há quatro eleições e garantem que no dia 9 de junho protagonizaremos uma mudança das “placas tectónicas” da política europeia. Um abalo telúrico na geografia parlamentar que colocará em causa o equilíbrio entre as forças de esquerda e de direita que desde sempre tem governado a União. A dimensão desse abalo é o único dado desconhecido, estando por decidir pelo voto. Em nenhuma das eleições anteriores esse equilíbrio esteve em causa.
Este Especial explica, em português sem “politiquês” mas com rigor e seriedade, o que está em causa, como aqui chegámos e o que está a ser planeado para os cenários que os nossos votos vão criar.
Conteúdo
Porque são estas umas eleições dramáticas. Subtítulos:
Qual é a ameaça?
Que equilíbrio está a ser ameaçado?
A difícil decisão do PPE: manter o percurso unificador com a esquerda ou aventurar-se com a direita no regresso ao passado nacionalista
A radiografia da guinada à direita
Como estão os dados e projeções de lugares a condicionar as narrativas?
O que motiva Ursula von der Leyen?
O que persegue Giorgia Meloni?
O que aflige Marine Le Pen?
“Super grupo” de extrema-direita no Parlamento Europeu? Um caminho difícil, mas possível.
Que fronteiras separam os dois grupos de extrema-direita?
Que tipo de estragos (e alcance) podemos esperar?
E sobretudo: como podem lá chegar?
Foi noticiada a possibilidade de Mario Draghi ser candidato a presidente da Comissão Europeia. Lançar Draghi contra Ursula von der Leyen, Meloni e Le Pen é uma possibilidade para bloquear a rendição do centro-direita à extrema
Dados, fontes de informação e artigos sugeridos
Glossário dos grupos de partidos
Nota do editor: Este é o terceiro Especial VLV. As edições especiais são por definição reservadas aos assinantes apoiantes mas, dada a importância do tema das eleições europeias mais importantes de sempre, decidi abrir o seu conteúdo a todos. Ciente de que os apoiantes compreenderão o gesto.
ATUALIDADE
🇪🇺 🗳️ 😱 Eleições dramáticas: equilíbrio consensual entre esquerda e direita que governou a União desde sempre está à beira da extinção
A menos de duas semanas das eleições europeias, a política está ao rubro. Não tanto pelas campanhas das muitas dezenas de partidos que as disputam nos 27 estados-membro. Mas ao mais alto nível, o nível das negociações que vão ocorrer no dia seguinte à decisão do eleitores.
Não, não foi sempre assim. Na realidade, nunca foi tão intenso e dramático este período em que se aproxima o desfecho eleitoral. E nunca foi assim porque nunca o status quo que “manda” na União Europeia, o corpo de orgãos e instituições que a compõem, esteve ameaçado como está neste ano de 2024.
Qual é a ameaça?
Antes de entrar no detalhe, em termos simples a ameaça visualiza-se em quatro pontos:
os dois grupos de direita vão ter a maior percentagem de eurodeputados de sempre, ultrapassando pela primeira vez os 20%, ou seja, ocuparão um em cada cinco assentos no Parlamento Europeu
a combinação desses dois grupos terá maior expressão do que os sociais-democratas, o que é inédito, posicionando-os como uma alternativa para as negociações de cargos
o terceiro lugar nas eleições está a ser disputado por ambos e pelo grupo dos liberais, que tradicionalmente tem feito o “bloco do equilíbrio” com sociais-democratas e democratas-cristãos, o que nos leva ao ponto seguinte,
os liberais deverão perder para um grupo da direita radical ou da extrema-direita a posição de pivô que é essencial para as negociações dos cargos fundamentais da UE, a começar pelo próprio Parlamento e a acabar na escolha, importantíssima, para a presidência da Comissão Europeia.
Concluindo: todas as projeções confirmam as tendências, garantindo-nos que nos dias 6 a 9 de junho teremos um abalo telúrico na geografia parlamentar, colocando em causa o equilíbrio entre as forças de esquerda e de direita que desde sempre tem governado a União. A dimensão desse abalo é o único dado desconhecido, estando por decidir pelo voto. Em nenhuma das eleições anteriores esse equilíbrio esteve em causa.
Que equilíbrio está a ser ameaçado?
A dupla de grupos partidários que ancorou desde sempre a União Europeia que conhecemos, composto por sociais democratas e democratas-cristãos, conhece desde 2009 uma erosão que culmina esta ano com a menor força de sempre: tem 45% dos deputados. Ao longo das eleições do século passado conquistaram sempre, juntos, dois terços ou mais dos MEP (de Member of the European Parliament, ou eurodeputado). A partir de 2009, e refletindo o que se verificou na maioria dos países, o seu peso foi diminuindo. 2014 foi o último ano em que ocuparam mais de metade dos lugares. O gráfico seguinte mostra claramente o avanço da erosão.
O “coração” do sistema em percentagem dos lugares
A percentagem é o que permite comparar os períodos, pois tivemos diferentes números de deputados em cada período. Este ano elegeremos 720, mais quinze que os 705 eleitos em 2019, mas menos 29 do que os 749 do período iniciado em 2014.
O papel de charneira dos liberais
O impacto da perda de dimensão do “centro” político, garantia do equilíbrio entre a direita e a esquerda sem o qual não teríamos esta União, foi absorvido em larga medida pelo crescimento do grupo liberal, que é ele próprio centrista — tanto que no parlamento ocupa precisamente o lugar charneira, com os sociais-democratas e outros grupos à sua esquerda e os democratas-cristãos e outros grupos à sua direita. Os liberais nem sempre foram a terceira força mais votada, mas enquanto grupo não só “do sistema” como entusiasta da União, recaía nele a escolha para fortalecer os consensos imprescindíveis à governação.
Em 2014, por exemplo, foram a quinta, atrás dos grupos de direita radical e extrema-direita, que à época não tinham ainda massa crítica negocial, sobretudo por serem “fora do sistema”, supostos representantes dos eleitores descontentes. Mas em 2019 regressaram ao terceiro lugar e com um grande grupo parlamentar, de 102 eurodeputados (o que faz dos liberais o grupo que mais vai perder nestas eleições, mais até do que os ecologistas).
No gráfico acima vemos como, graças à combinação da perda de eleitores pelos partidos liberais (Portugal é uma exceção) com a resistência fraca do S&D, as forças do equilíbrio estão no seu ponto mais fraco de sempre, levando-nos ao limiar da mudança tectónica, isto é, da substituição das “placas” ideológicas em que tem assentado a UE.
Com os liberais diminuídos e as esquerdas encolhidas, a posição dos sociais-democratas acaba por também perder: mesmo mantendo o número de MEP num parlamento que vai passar de 705 para 720 lugares, enfrenta um cenário negocial em que o vencedor tem o que nunca teve — uma alternativa matematicamente robusta.
A difícil decisão do PPE
No gráfico seguinte apresento outro comparativo que mostra como chegámos a um ponto de rotura que torna difícil a decisão do grupo dos democratas-cristãos sobre que parceiros vão privilegiar: a decisão entre continuar com um equilíbrio negociado com o centro e o centro-esquerda, ou colocar uma pedra sobre esse passado de construção de uma união apontada ao federalismo e a um governo central forte, para dirigir a União Europeia num caminho nunca testado e perigoso, por constituir um retrocesso no centralismo e um regresso a uma Europa de nações cada vez mais bélicas.
Qualquer caminho é legítimo em função dos votos, diga-se desde já. A decisão do PPE ditará o futuro próximo e longínquo da União Europeia.
O gráfico mostra o poder da combinação dos grupos da direita, o centro-direita (PPE), a direita radical (ECR) e a extrema-direita (ID), versus a combinação dos grupos da esquerda, o centro-esquerda (S&D), a esquerda moderada (Verdes) e as esquerdas combinadas (The Left). O poder da direita nunca esteve tão forte como estará este ano, não apenas por ter quase metade dos eurodeputados, mas também por ter uma maior diferença para o bloco oposto. Há dez anos estava também com quase metade dos MEP, mas nessa altura o bloco da esquerda era bem mais forte. (Isto falando apenas no contexto da matemática parlamentar e eleitoral. Há outra diferença, que passa por narrativas bem melhor estruturadas atualmente à direita.)
O contexto mostra o que está por um fio
Olhando para a evolução agora num contexto geral, a big picture, vemos que em nove atos eleitorais que cobrem 40 anos, o resultado foi sempre o mesmo. Desde as primeiras eleições, em 1979, até às mais recentes, em 2019, os grupos dos sociais democratas (S&D, dito de centro-esquerda) e dos democratas cristãos (PPE, dito de centro-direita) foram invariavelmente os vencedores, com o S&D a ganhar as primeiras quatro eleições e o PPE a conquistar as seguintes cinco.
O terceiro lugar na meta eleitoral foi dividido entre o segundo grupo das direitas e, a partir de 1989, os liberais.
O contexto fica mais claro quando reduzimos os sete grupos atuais (já foram mais) a cinco “corpos” ideológicos: a esquerda, o centro-esquerda, os liberais, o centro-direita e a direita. E o que fica mais nítido? A flutuação da esquerda era compensada pela força do centro-esquerda e no conjunto cedeu espaço; o centro liberal está num ponto baixo da sua flutuação; o centro-direita resiste melhor que o centro-esquerda; a direita somou todos os ganhos das flutuações dos outros.
Radiografia da guinada à direita
Como estão os dados a condicionar a realidade?
Como ficou estabelecido, não chegámos ao limiar da mudança das “placas tectónicas” da construção europeia de um momento para o outro. Não se trata propriamente de uma revolução liderada pelas chefes das direitas coordenadas. Chegámos a este ponto através de um percurso — que de resto não é sequer característico da União Europeia, nem mesmo dos seus estados-membros, o caminho para a direita é uma constante em quase todos os eleitorados.
Quando vemos os dados percebemos melhor o que parecem ser golpes de teatro e convulsões nas três direitas nas últimas semanas, com o aproximar do dia das eleições e todas as sondagens e projeções a confirmarem o limiar. O que Ursula von der Leyen, Giorgia Meloni e Marine Le Pen têm feito é a coreografia de encaixe dos resultados que se adivinham.
O que motiva Ursula von der Leyen?
Com 65 anos, a atual presidente da Comissão Europeia procura a renovação do mandato. É a candidata do PPE. O grupo, sozinho, não a consegue nomear; precisa de apoios no PE. Há dois cenários em função do desfecho eleitoral. Se se mantiver a configuração de equilíbrio, isto é, se o Renew sair eleito como o terceiro grupo, von der Leyen vira-se para os parceiros do passado e assegura a reeleição com os sociais-democratas e os liberais.
Mas tem de precaver o segundo cenário: o Renew passa para quarto ou mesmo quinto grupo, tendo à sua frente uma ou duas bancadas que podem chegar a mais do dobro do seu “peso” político, ECR e ID. A aproximação de von der Leyen à italiana Giorgia Meloni, primeira ministra de Itália e cabeça de lista às europeias (a lei italiana difere da nossa) pelo seu partido, os Irmãos de Itália, que é um dos eixos do ECR, constitui essa precaução.
O que persegue Giorgia Meloni?
Meloni, 47 anos, pontifica no grupo ECR e tem ambições bem maiores que o seu país. Quer a Europa. Para isso, quer liderar a direita à direita da direita — agregando tudo o que está para lá do PPE. Esse controlo é o caminho mais rápido para o comando da União. Se o resultado lhe for 100% favorável, fará uma dupla forte com Ursula von der Leyen — e o PPE vira as costas à esquerda e procura um novo equilíbrio.
Mas o resultado pode não lhe ser imediatamente favorável. Meloni tem outra atriz a procurar contracenar no palco da direita europeia, Marine Le Pen, bem como um terceiro ator que se tem mantido sem holofote: Viktor Órban.
O que aflige Marine Le Pen?
O partido do primeiro-ministro da Hungria, o Fidesz, pertenceu ao PPE, do qual saiu em 2021 depois de quase dois anos de suspensão devido a constantes violações do Estado de Direito no seu país.
Órban é um eurocético muito vocal: quer o fim da União Europeia, que trata como de “uma ocupante imperialista”. É mais extremo que Marine Le Pen.
Ou melhor dizendo: a francesa que quer ser presidente de França e domina o Reagrupamento Nacional (Rassemblement National) — a mais recente denominação do partido histórico da extrema-direita, a Frente Nacional, criado pelo seu pai — tem vindo a convergir e apresenta-se hoje menos extremista. Sem isso não vencerá as eleições francesas. Mas esse amaciamento de posições afastou-a do grupo ID, de que o RN foi peça-chave no Parlamento Europeu cessante.
Le Pen, 55 anos, não jogou forte na Europa, por diversos motivos, e viu o palco da direita alternativa ser tomado por Giorgia Meloni. Que se apresenta menos extremista — precisamente o esforço que Le Pen vem fazendo desde há mais de dez anos.
As declarações extremistas de um outsider — a AfD, partido da extrema-direita alemã que parece perdido no labirinto que a extrema-direita cria para atrair o eleitorado — foram o esperado pretexto para o RN anunciar, há dias, que não se sentará ao seu lado. Isto é: o RN deixará a filiação no grupo mais extremista do PE, o ID. Uma convulsão que só os desatentos poderão achar inesperada.
🧨 “Super grupo” de extrema-direita no Parlamento Europeu: um caminho difícil, mas possível.
O tema tem meses mas tem vindo a crescer à medida que se aproxima o dia decisivo e o grande comício dos partidos de extrema-direita em Madrid no dia 19 de maio atirou o assunto para o topo das prioridades dos cidadãos: a hipótese de uma união das forças de direita no Parlamento Europeu. Líderes como Viktor Orbán, Marine Le Pen e Giorgia Meloni defendem a unificação dos partidos “soberanistas” para deslocar o poder à direita.
Já esta semana soube-se de um “convite” de Marine Le Pen a Giorgia Meloni para se juntarem nessa grande aliança das direitas, que, como vimos nos dados apresentados anteriormente, seria a segunda força no PE. Recrutando alguns partidos ainda sem filiação, poderia resultar numa força de cerca de 160 lugares.
Na prática, a formação deste grande grupo de direita não apenas alteraria a dinâmica de poder no Parlamento Europeu, mas também poderia provocar mudanças substanciais nas políticas e na direção futura da União Europeia. E a trajetória eleitoral ao longo das século, as negociações das últimas semanas e as projeções dos resultados a conhecer no próximo dia 10 de junho, o melhor é contar com essa possibilidade como possível, senão mesmo provável.
Uma tal união dos dois grupos é muito difícil: nem a AfD nem o Fidesz poderiam alinhar, pois Meloni e Le Pen assumiriam a continuação do que ambos pretendem destruir. Essa é a “linha vermelha”.
Seria mais fácil proceder ao crescimento de um grupo conservador, a partir do atual ECR que filia partidos como o espanhol Vox e o polaco Lei e Justiça e o citado Irmãos de Itália, com a cativação de alguns partidos filiados no grupo ID que vão aumentar a sua bancada, casos do RN e do Chega.
Numericamente, um tal grupo poderia não tirar o segundo lugar aos sociais democratas, dados os deputados de extrema-direita perdidos, mas seria um terceiro muito forte — ao ponto de poder atrair os previstos 12 deputados que o Fidesz elegerá. Mas não contam apenas os números: ao alijar a extrema-direita, esse grupo ganhando a respeitabilidade que o PPE (e o S&D, já agora) exige a um parceiro. E que se traduz hoje em pouco mais do que o compromisso com o Estado de Direito e a defesa da Ucrânia na guerra contra a Rússia.
Mas a “linha vermelha” também pode ser suprimida em nome de um bem maior, como se demonstra abaixo.
A verdade histórica é que os partidos de extrema-direita são violentos na sua volatilidade. Enquanto no extremo oposto as duas esquerdas, eurocética e nacionalista comunista, cedo assentaram debaixo do mesmo grupo, The Left, as duas direitas mudam de grupos em todas as eleições e continuam com as fronteiras inultrapassáveis entre os seus partidos (ver gráfico animado abaixo, com atenção aos grupos).
Neste movimento de placas tectónicas é provável que a direita conservadora aumente de dimensão à custa da extrema-direita, em nome do acesso ao centro do poder.
Que fronteiras separam os dois grupos de direita? Que tipo de estragos (e alcance) podemos esperar? E sobretudo: como podem lá chegar? As respostas.
Que linhas vermelhas separam os dois grupos de direita?
Há quatro fronteiras entre os grupos de direita Identidade e Democracia (ID) e os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), uma das quais intransponível, mas que pode ser ignorada:
Apoio à Ucrânia: é o maior ponto de discórdia. O ECR tende a apoiar a Ucrânia na guerra contra a Rússia, enquanto o ID possui uma posição mais ambivalente ou até favorável à Rússia, especialmente devido aos laços de alguns dos seus membros com o regime de Putin.
Políticas nacionalistas vs. soberanistas: o ID inclui partidos que são fortemente nacionalistas e muitas vezes eurocéticos ao extremo, defendendo a redução drástica do poder da União Europeia ou até a saída de alguns países. O ECR, embora também seja eurocético, tende a ser mais moderado e favorável a uma reforma da UE em vez de uma desintegração completa.
Rivalidades nacionais: existem rivalidades históricas entre partidos nacionais dentro de cada grupo. Exemplos incluem a rivalidade entre o Rassemblement National (Le Pen) e o Reconquête (Zemmour) em França, ou entre o Fidesz (Orbán) na Hungria e a AUR na Roménia.
Posicionamento ideológico: embora ambos partilhem uma agenda de direita, o ID está mais associado à extrema-direita, com uma posição mais radical em temas como a imigração, enquanto o ECR procura manter uma imagem de direita mais moderada e pró-europeia.
Que tipo e alcance de estragos podemos esperar de um super grupo de direita aliado ao PPE?
Políticas ambientais e sociais: o ID é ainda mais agressivo que o ECR, mas ambos são vocalmente contra as políticas ambientais progressistas da UE. Serão as primeiras prejudicadas. O “super grupo” quererá de imediato reverter ou enfraquecer o Green Deal Europeu e outras iniciativas ambientais, argumentando que estas políticas são prejudiciais para a economia e os interesses nacionais dos estados-membros.
Políticas de imigração mais restritivas: este grupo quererá impor políticas de imigração mais rígidas, incluindo o reforço das fronteiras externas da UE, maiores restrições à entrada de migrantes e refugiados, e políticas de repatriamento mais agressivas.
Reforma institucional e redução de competências da UE: um “super grupo” de direita vai promover a devolução de poderes da UE aos estados-membros, defendendo uma União mais intergovernamental e menos centralizada. Esforços para reverter ou enfraquecer certas políticas e regulamentos da UE são de esperar.
Fortalecimento das soberanias nacionais: haveria uma ênfase maior na proteção da soberania nacional, com resistência a iniciativas que considerem uma maior integração política ou económica dentro da UE.
Relações externas mais conservadoras: O “super grupo” quererá adotar uma posição mais conservadora nas relações externas da UE, possivelmente negociando um equilíbrio entre uma atitude firme contra a Rússia e uma abordagem mais independente dos EUA e de outras potências globais — um desvio significativo da rota diplomática da União.
Impacto no Orçamento da UE: o “super grupo” poderá influenciar a alocação do orçamento da UE, nomeadamente redirecionando fundos de projetos de integração europeia para iniciativas que beneficiem individualmente os estados-membros.
Como podem lá chegar?
A criação de um “super grupo” de extrema-direita no Parlamento Europeu enfrenta dificuldades devido a desacordos internos, mas exemplos do passado e do presente oferecem possíveis soluções. Entre 1999 e 2009, os Conservadores britânicos formaram o grupo "European Democrats" (ED) dentro do Partido Popular Europeu (PPE), atuando como uma unidade semi-autónoma. Este modelo, segundo Jan Zahradil, MEP checo, poderia ser replicado no atual grupo dos Conservadores e Reformistas Europeus (ECR) para facilitar uma fusão com o grupo Identidade e Democracia (ID).
A experiência dos Conservadores britânicos com o ED no PPE mostra que arranjos organizacionais podem ajudar a superar tensões. Zahradil sugere que manter os recém-chegados do ID como uma facção semi-autónoma dentro do ECR poderia preservar a imagem "pró-Europeia" e trazer benefícios como mais orçamento e mais tempo de intervenção no Parlamento.
Além disso, a Aliança Livre Europeia (EFA), que funciona de forma autónoma dentro do grupo dos Verdes, oferece outro modelo. Jordi Solé, MEP catalão, afirma que a EFA mantém independência organizacional enquanto partilha objetivos comuns com os Verdes.
A autonomia similar poderia ser aplicada aos novos membros do ID no ECR, embora os grupos precisem partilhar alguns objetivos políticos. Apesar dos desacordos sobre a Ucrânia, pontos comuns como a revisão da legislação do Green Deal e o retorno de competências da UE para os estados membros podem servir de base para esta cooperação.
Como salvar a UE da extrema direita? Lançando Draghi contra von der Leyen, Meloni e Le Pen
Os Socialistas europeus advertiram Ursula von der Leyen que não a apoiarão para um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia se ela continuar a sugerir que poderá colaborar com eurodeputados de extrema-direita alinhados com a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni.
O chanceler alemão Olaf Scholz e o seu Partido Social Democrata (SPD) também sinalizam que estão dispostos a bloquear um segundo mandato para von der Leyen, sugerindo Mario Draghi como possível substituto, uma escolha bem vista em Paris.
Vários socialistas proeminentes, de Scholz a Katarina Barley, a candidata principal do SPD para as eleições europeias, ameaçaram vetar a candidatura de von der Leyen se esta aceitar o apoio da extrema-direita para assegurar uma maioria no Parlamento Europeu.
Barley reiterou a promessa de nunca cooperar com a extrema-direita e partidos radicais, refletindo a alarme dos partidos de esquerda em relação à atitude de von der Leyen sobre o partido de Meloni, Irmãos de Itália, pertencente ao grupo Conservadores e Reformistas Europeus (ECR).
Von der Leyen, que pertence ao Partido Popular Europeu (PPE), indicou que, se não conseguir uma maioria com o apoio dos deputados de centro-esquerda e liberais após as eleições da UE, poderá trabalhar com o ECR. Scholz alertou von der Leyen contra essa possibilidade, insistindo que a formação da próxima Comissão Europeia não deve depender do apoio da extrema-direita.
Nicolas Schmit, candidato principal dos socialistas nas eleições da UE, criticou von der Leyen por considerar Meloni uma conservadora, destacando que Meloni é "politicamente extremamente de direita” e contrária a uma Europa forte e integrada.
A possível candidatura de Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, ganhou apoio de Pascal Canfin, aliado próximo de Emmanuel Macron, sugerindo uma preferência francesa por Draghi em vez de von der Leyen. A dissensão em Berlim e Paris em relação à postura de von der Leyen com o ECR representa um sério desafio para a sua reeleição.
Von der Leyen necessita de 361 votos no Parlamento Europeu, com o PPE a prever obter cerca de 176 lugares. Sem o apoio dos eurodeputados de centro-esquerda, a sua reeleição estará em risco. Macron, em visita oficial à Alemanha, deve discutir a aritmética eleitoral e os potenciais apoios, incluindo Draghi.
Dados
Fontes e artigos sugeridos
Top jobs timeline: What happens after the EU election // politico.eu
Von der Leyen enfrenta revolta dos Socialistas devido à sua aproximação à extrema-direita com Meloni // Gordon Respinski, Jakob Hanke Vela, Šejla Ahmatović, Julius Brinkmann e Jürgen Klöckner, politico.eu
Os Socialistas europeus avisaram Ursula von der Leyen que não a apoiarão para um segundo mandato como presidente da Comissão Europeia se ela continuar a sugerir que pode trabalhar com eurodeputados de extrema-direita alinhados com a Primeira-Ministra italiana Giorgia Meloni.
Le Pen quer unir-se a Meloni e ter o segundo maior grupo do PE // Ana Meireles, dn.pt
Líder italiana está a ser cortejada por dois lados nas vésperas das eleições: Marine Le Pen quer dar força à extrema-direita e Ursula von der Leyen quer o seu apoio para a reeleição.
Reunião Nacional de França não se sentará com Alternativa para a Alemanha no Parlamento da UE // Victor Goury-Laffont, Eddy Wax, Sarah Paillou, politico.eu
O partido francês de extrema-direita não especificou o que isso significa para o seu futuro no grupo ID no Parlamento Europeu.
Here’s how a far-right EU supergroup could work in practice // euractiv.com
Aliado próximo de Macron diz que Paris quer Draghi para alto cargo na UE // Nicolas Camut,Anthony Lattier,Pauline de Saint Remy, politico.eu
Crucialmente, França está ideologicamente alinhada com Draghi, que não quer que as regras fiscais impeçam gastos generosos na remodelação da economia europeia. De facto, o antigo banqueiro central é visto como um aliado chave na próxima luta de Paris dentro do bloco: encontrar biliões de euros de investimento público para recuperar o atraso em relação às superpotências industriais: China e EUA.
Para Ursula von der Leyen Meloni é fixe // João Carlos Barradas, sabado.pt
Falando no terceiro e derradeiro debate entre os candidatos à presidência da Comissão, von der Leyen considerou a líder dos Irmãos de Itália como pró-europeia, anti-Putin e defensora do estado de direito.
Cisão na ultradireita da UE: Le Pen rompe com alemães da AfD // Jean-Philip Struck, dw.com
A decisão pela cisão foi desencadeada por falas de um eurodeputado alemão que relativizou o histórico de uma antiga organização nazista, mas, na realidade, tem como pano de fundo as diferenças entre as estratégias eleitorais adotadas pelas duas legendas: a aposta na "normalização" promovida por Le Pen e a radicalização pública crescente da AfD.
Glossário
PPE (ou EPP, European People's Party) - Partido Popular Europeu, grupo dos partidos democratas cristãos e conservadores. Pró-europeu. Maior grupo de deputados no Parlamento Europeu, vencedor das últimas cinco eleições europeias. Filiados portugueses: PSD e CDS. Cabeça de lista da coligação AD: Sebastião Bugalho.
S&D (Socialists & Democrats) - Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas, grupo dos partidos socialistas e social-democratas. Pró-europeu. Segundo maior grupo. Filiado português: PS. Cabeça de lista: Marta Temido.
RE (Renew Europe) - designação atual do grupo dos partidos liberais e sociais liberais. Pró-europeu. Terceiro nas eleições de 2019. Filiado português: Iniciativa Liberal. Cabeça de lista: João Cotrim Figueiredo.
Verdes (Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia, Greens–European Free Alliance) - grupo dos partidos verdes, Partido Pirata Europeu e Volt Europa. Pró-europeu. Quarto maior grupo. Filiados portugueses: Os Verdes (coligação CDU), PAN e Livre. Cabeças de lista: Francisco Paupério (Livre), Pedro Fidalgo Marques (PAN), João Oliveira (CDU).
ID (Identity and Democracy) - grupo dos partidos de extrema-esquerda. Euro-cético e nacionalista. Quinto maior grupo. Filiado português: Chega. Cabeça de lista: António Tânger Corrêa.
ECR (European Conservatives and Reformists) - grupo dos partidos de direita radical e conservadora. Pró-nacionalista. Sexto maior grupo. Não tem filiados em Portugal.
The Left (Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde) - grupo dos partidos de esquerda e de extrema-esquerda. Euro-ambíguo, inclui partidos eurocéticos e partidos reformistas. O grupo mais pequeno do PE. Filiados em Portugal: PCP (eurocético e nacionalista) e BE (europeísta reformista). Cabeças de lista: João Oliveira (o PCP lidera a coligação CDU) e Catarina Martins.