[E.11] Verificando os fact-checkers: Pedro Nuno e Montenegro no topo da tendência para falar verdade
Guimarães Pinto, Rui Rocha e Alexandra Leitão são exemplares. No extremo dos fala-barato pontificam Ventura e Marcelo. Mas foi preciso descartar 80% das verificações, que preferem caçar anónimos
Introdução: quem verifica os verificadores de factos?
Se a pergunta for feita aos fact-checkers, a resposta sai direta da bagagem defensiva do jornalista, espécie acossada e desprotegida pela derrocada do monopólio do gatekeeping: os leitores. Como? Pois que leiam e julguem, dizem encolhendo os ombros.
Pois muito bem, repto aceite. VamoLáVer leu, analisou e julgou. Principal conclusão:
Os três operadores agem isolados e as suas regras internas diferem uns dos outros; a ausência de um “chão” comum deita por terra a reclamada ambição do contributo para a saúde da democracia e para o combate às falsidades. Sem um entendimento comum sobre o que é a verdade, falsidade e a escala entre as duas, é quase impossível percebermos o fenómeno que supostamente se quer estudar. Os operadores portugueses de fact-checking analisados — Público, Observador e Polígrafo — não cumprem as boas práticas internacionais, apresentam as verificações de forma caótica e sem uma estratégia compreensível para o interesse público. A verificação surge como qualquer outro conteúdo jornalístico: o fact-checking é pouco mais que uma etiqueta de arrumação como “internacional”, “mundo”, “cultura” ou “Benfica”.
Segunda conclusão: o caos que apresentam dificulta as tentativas — como a presente — de encontrar respostas para as perguntas que coletivamente colocamos e são pertinentes. A recolha, desde 2017 até novembro último, de quase 13.000 artigos de fact-checking forneceu uma amálgama de textos com esparsa, quase nula classificação. Numa grande parte dos casos a entidade verificada não é declarada e não é facilmente identificável nem mesmo lendo o texto.
Exemplos de perguntas de interesse público que não são respondidas de forma clara — ou não são respondidas de todo (mas este estudo encontrou-as):
Qual é a tendência dominante? Os verificados tendem a falar verdade e usam factos, ou predomina a falsidade? (Nos políticos domina a verdade, nos cidadãos domina a falsidade.)
Quais são os políticos que mais apreciam os factos? (Pedro Nuno Santos e Luís Montenegro, Carlos Guimarães Pinto, Rui Rocha e Alexandra Leitão.)
Confirma-se que André Ventura é o maior mentiroso? (Sim. Tem a pior percentagem de tendência para a falsidade: 59,5%, seguido de muito perto por Marcelo Rebelo de Sousa, no desonroso segundo lugar com 58,6%.)
Quem é o alvo favorito do fact-checking? (O utilizador anónimo das redes sociais.)
Espere: isso não tem nenhum interesse. Refiro-me às figuras que contam, governantes e legisladores, quem são os alvos favoritos? (Claro: António Costa, naturalmente, e de longe. O segundo é Ventura.)
E algumas mais são respondidas neste estudo, dividido nos seguintes
Capítulos de acesso livre
O jornalismo deixou de escrutinar os poderes para ir caçar gambozinos (pago pela Meta)
Os políticos são mais verdadeiros que os cidadãos anónimos nas redes sociais. Surpreendido?
De Pedro Nuno a Ventura: quem tem mais tendência para a verdade e para a falsidade
Capítulos de acesso a apoiantes
O trio excelso, acima dos 90% de factos: dois IL, uma PS
Top 20: António Costa é de longe o mais verificado (51% do lado dos factos, 35% do lado dos enganos)
83% das verificações são inconsequentes e irrelevantes
Desmascarar anónimos nas redes equivale a prender traficantes de rua
Mas como se verificam os verificadores? Metodologia
As 16 classificações dos verificadores
As cinco classificações do agente VamoLáVer
A realidade não é fácil, quanto mais a factualidade (com um exemplo verifique você mesmo)
O futuro do fact-checking
E ainda estas recensões de artigos recomendados
verificando como os verificadores verificam
ascensão e queda dos factos
A fechar, uma FAQ (em que consiste a atividade de verificação de factos? etc)
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Aviso: é provável que na leitura por e-mail este artigo surja cortado no final. Alguns leitores de correio eletrónico cortam as mensagens que consideram demasiado extensas. Se for o caso, no final estará o botão para ler o resto no site.
O jornalismo deixou de escrutinar os poderes para ir caçar gambozinos (pago pela Meta)
Retomo a pergunta de abertura. Quem faz fact-checking aos fact-checkers? Que é como quem diz, o que eles estão a fazer é realmente importante? É essencial para a democracia, como proclamam? Até que ponto?
A resposta seria outra antes das redes sociais, pois o fact-checking era uma atividade diferente. Como se pode ler com mais detalhe nos dois condensados e na FAQ que finalizam este artigo, era feita aos factos que o jornalista alinhara antes da publicação da sua peça; a publicação online mudou o paradigma da publicação jornalística para a rotina “publica imediatamente, quando for preciso muda-se ou faz-se outro artigo a corrigir”. O fact-checking (como a revisão e o copy-desk) recuou por um lado e mudou por outro: passou a ser feita depois.
As consequências foram devastadoras. Em primeiro lugar para a reputação das marcas de jornalismo e dos jornalistas. Como se não bastasse a crescente perda de poder, a degradação da imagem produziu um fosso de desconfiança entre o produto e o cliente.
É nesse contexto que a então Facebook Inc, hoje Meta, toma uma decisão de relações públicas que veio ressuscitar o fact-checking enquanto atividade, dando-lhe um financiamento tal que gerou inúmeros departamentos e novas empresas (40.000 pessoas em todo o mundo trabalhavam num dado momento para a Meta, que terá desembolsado 300 milhões de dólares na operação “vamos ficar bem nesta fotografia”). Mas a importância da verificação dos factos não foi recuperada. Só nos discursos dos jornalistas e dos responsáveis pelas organizações que floresceram depois de 2015-16 aquele trabalho é apresentado como uma “necessidade” do espaço público e a arma contra a desinformação nas redes sociais.
A realidade é outra. Em primeiro lugar, o trabalho entregue ao cliente — a Meta — não teve efeito: como os próprios fact-checkers se queixam, a empresa nunca lhes abriu a porta para eliminarem ou agirem de qualquer outra forma sobre os emissores de desinformação.
Em segundo lugar, a publicação nos jornais online e sites próprios não teve impacto público mensurável das denúncias de mentiras nem das verificações de veracidade. Os prevaricadores continuaram a prevaricar, as suas mensagens continuaram a passar. Até foram repetidas fora dos seus círculos. Foi sempre a somar. Se há dúvidas sobre a total ausência de contributo para o esclarecimento dos cidadãos, os 50 deputados eleitos pelo CH nas últimas legislativas e a eleição de deputados, governantes e euro-deputados em demasiadas geografias da União Europeia vaporizam-nas. Os verificadores puderam dormir descansados com a consciência limpa por terem feito o seu trabalho, mas o seu trabalho foi muito mal produzido e aproveitado — como iremos ler abaixo.
Em terceiro lugar, a lógica de financiamento ilude os objetivos: o atual verificador de factos está a trabalhar para o financiador e não para o público. O jornalista deixou de escrutinar os poderes — os públicos em especial — para passar a policiar os cidadãos. Anónimos, ainda por cima.
“Em nome da democracia” é uma ironia.
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Os políticos são mais verdadeiros que os cidadãos anónimos nas redes sociais. Surpresa?
Avanço rápido para dados extraídos do caos. O primeiro é a big picture, o quadro geral. Separados os artigos de verificação em dois universos, o publicamente relevante e o do anonimato deixado impune pelos verificadores, vemos que os políticos dizem muito mais verdades que os não-políticos.
A imagem mostra a percentagem de cada tendência.
Não era preciso este estudo, nem 13.000 artigos de fact-checking, para saber isso? Talvez não. Mas a confirmação é sempre boa.
A tabela completa dos dados na imagem abaixo:
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De Pedro Nuno a Ventura: quem tem mais tendência para a verdade e para a falsidade
O dado seguinte dá respostas para as perguntas de todos os dias: quem mais gosta dos factos, quem mais gosta de inventar?
Condensei os resultados nesta lista dos políticos com mais tendência para a verdade e os factos, e os opostos, que navegam alegremente na zona das tretas e falsidades.
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