[2.65] 🚀 🇺🇦 Alemanha levanta restrições de alcance das armas fornecidas à Ucrânia
Do outro lado do Atlântico, Trump perdeu a paciência para o seu amigo Putin e ameaça sanções. Indiferente, Moscovo intensifica a batalha contra Kiev
Esta edição tem uma forma um pouco diferente, o que surgiu por acaso durante a sua elaboração. Começando pelo fim: dois textos abordam as mudanças em curso nas esquerdas em dois países e pelo mesmo motivo, a ascensão do autoritarismo radical de direita e o aparente esgotamento das narrativas democráticas. Um texto é sobre a situação portuguesa, que abordo numa longa nota do editor. O outro é um condensado de um artigo no Washington Post sobre as dificuldades do Partido Democrata em encontrar o tom para voltar a abordar o eleitorado.
✊🌹 Força força companheiro Vasco (nota do editor)
📢 🤯 O debate linguístico que divide os democratas nos EUA
Antes de lá chegarmos, temos os assuntos quentes do dia:
🚀 🇺🇦 Alemanha levanta restrições de alcance das armas fornecidas à Ucrânia
🇺🇸 💣 Trump ameaça novas sanções após ataques aéreos russos na Ucrânia (e chama louco ao seu particular amigo Putin)
🇪🇸 🇵🇸 Espanha propõe embargo de armas a Israel e suspensão do acordo UE-Israel
🕊️ 🇵🇸 Hamas aceita proposta de cessar-fogo permanente em Gaza, mas Israel rejeita
🇺🇸 🗣 Trump aceita adiar tarifas de 50% à UE para 9 de julho
📊 🇪🇺 Portugal entre os países com maior desvio às regras orçamentais europeias
Fecha a edição o habitual conjunto de breves.
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ATUALIDADE
🚀 🇺🇦 Alemanha levanta restrições de alcance das armas fornecidas à Ucrânia
O chanceler alemão, Friedrich Merz, anunciou que a Alemanha e os seus principais aliados deixaram de impor restrições de alcance às armas fornecidas à Ucrânia na guerra contra a Rússia. Esta mudança permite que Kiev ataque posições militares em território russo.
O que mudou? Merz confirmou que já não existem limitações de alcance para as armas entregues à Ucrânia por parte da Alemanha, Reino Unido, França e Estados Unidos. Isto significa que a Ucrânia pode agora defender-se atacando alvos militares no interior da Rússia, algo que anteriormente não podia fazer.
A questão dos mísseis Taurus: O governo alemão mantém-se reservado sobre o fornecimento dos mísseis de cruzeiro Taurus, que têm um alcance de até 500 quilómetros. O anterior chanceler, Olaf Scholz, recusou-se a fornecê-los, mas Merz defendia esta medida quando estava na oposição. O novo governo adotou uma política de "ambiguidade estratégica", deixando de revelar detalhes completos sobre as armas fornecidas.
Reação russa: O Kremlin, através do porta-voz Dmitry Peskov, considerou esta decisão "bastante perigosa" e contrária aos esforços para alcançar um acordo político. A Alemanha é o segundo maior fornecedor de ajuda militar à Ucrânia, depois dos Estados Unidos.
Fonte: apnews.com
🇺🇸 💣 Trump ameaça novas sanções após ataques aéreos russos na Ucrânia
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, manifestou-se contra os recentes ataques aéreos da Rússia na Ucrânia, ameaçando novas sanções. Os bombardeamentos resultaram na morte de 12 pessoas e levantaram preocupações sobre a continuidade do processo de paz.
Contexto dos ataques: A Rússia lançou uma série de ataques aéreos massivos, utilizando quase 400 mísseis e drones, atingindo alvos civis, incluindo edifícios residenciais e instituições educacionais.
Reação de Trump: Após os ataques, Trump expressou a sua frustração com Vladimir Putin, afirmando que este "ficou louco" e que os bombardeamentos são inaceitáveis. Ele confirmou que está a considerar novas sanções contra a Rússia.
Resposta do Kremlin: O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, sugeriu que os comentários de Trump podem ser resultado de uma sobrecarga emocional, mas agradeceu o seu papel nas negociações de paz.
Apelo à comunidade internacional: O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, pediu a aplicação de novas sanções à Rússia para impedir a produção de armas que visam civis, enfatizando que a guerra não para durante os fins de semana.
Desafios para a Ucrânia: Apesar do apoio ocidental, a Ucrânia enfrenta dificuldades em defender o seu território devido à escassez de sistemas de defesa aérea, deixando a população vulnerável aos ataques russos.
Fonte: washingtonpost.com
🇪🇸 🇵🇸 Espanha propõe embargo de armas a Israel e suspensão do acordo UE-Israel
Madrid foi este domingo o palco de uma reunião entre ministros de países da União Europeia e da Liga Árabe que defendem a solução dos dois Estados como via para pôr fim à ofensiva israelita em Gaza.
O ministro espanhol José Manuel Albares apelou a um embargo de armas a Israel e defendeu a necessidade de “um Estado palestiniano realista e viável, com Gaza e a Cisjordânia sob controlo de uma única autoridade nacional palestiniana”.
As principais propostas espanholas incluem:
Embargo total à venda de armas a Israel por todos os países
Suspensão do Acordo de Associação UE-Israel
Revisão das listas nacionais de sanções individuais
Criação de um "grande movimento" para reconhecimento do Estado palestiniano
O Grupo de Madrid, na sua versão alargada, duplicou o número de participantes face ao ano passado, incluindo pela primeira vez enviados da Alemanha, Brasil, França, Itália e Portugal, demonstrando o crescente apoio internacional à solução de dois Estados.
Posições dos países participantes:
Portugal: Paulo Rangel descreveu Gaza como uma "catástrofe total" e considerou a reunião "crucial"
Noruega: defendeu que acabar com o conflito vai além de terminar a guerra atual
Islândia: manifestou esperança de que mais países reconheçam a Palestina como Estado
Qual é o objetivo?
A reunião destes 20 países visa pressionar Israel a permitir com urgência a entrada de ajuda humanitária e recolher apoio internacional para o reconhecimento do Estado da Palestina.
Vários países europeus, como Espanha, Irlanda e Noruega, já reconheceram o Estado palestiniano durante o actual conflito em Gaza.
Entretanto, Israel continua o cerco à Faixa de Gaza. Os bombardeamentos de domingo provocaram a morte de pelo menos mais 38 pessoas.
Entre as vítimas encontram-se um jornalista (já são 220 os jornalistas mortos em Gaza) e um trabalhador dos serviços de resgate.
No total, os ataques ordenados pelo governo de Benjamin Netanyahu causaram a morte de quase 54.000 palestinianos de Gaza.
Fontes: elpais.com e Lusa
Relacionadas
🇵🇸 António Costa manifestou graves preocupações sobre a situação humanitária catastrófica em Gaza numa chamada com Mahmoud Abbas. O presidente do Conselho Europeu exortou Israel a permitir acesso imediato à assistência humanitária e apoiou o plano da ONU. • 24.sapo.pt
🇩🇪 Parlamentares alemães do SPD pedem fim das exportações de armas para Israel devido à guerra em Gaza. Ralf Stegner e Adis Ahmetovic citam preocupações humanitárias, afirmando que "armas alemãs não devem prolongar catástrofes humanitárias" nem violar o direito internacional. • politico.eu
🇩🇪 O chanceler alemão Friedrich Merz criticou duramente a ofensiva israelita em Gaza, afirmando não compreender os objetivos do exército israelita. Merz disse que prejudicar tanto a população civil já não pode ser justificado como luta contra o terrorismo do Hamas. • politico.eu
🇸🇪 A Suécia vai convocar o embaixador israelita para protestar contra a falta de ajuda humanitária em Gaza. Israel permitiu apenas algumas centenas de camiões com uma fração mínima dos alimentos necessários para 2 milhões de pessoas em risco de fome após quase três meses de bloqueio. • reuters.com
🇵🇸 O ministro Paulo Rangel recebeu hoje o primeiro-ministro da Autoridade Palestiniana, Mohammad Mustafa, na embaixada portuguesa em Madrid. Ambos sublinharam a importância da solução dos dois Estados para resolver o conflito, numa altura em que a situação humanitária em Gaza se deteriora com os ataques israelitas. • 24.sapo.pt
🕊️ 🇵🇸 Hamas aceita proposta de cessar-fogo permanente em Gaza, mas Israel rejeita
O Hamas anunciou ter aceite uma nova proposta do enviado especial dos Estados Unidos, Steve Witkoff, para um cessar-fogo permanente na Faixa de Gaza. No entanto, Israel rejeitou imediatamente a proposta, criando mais uma vez um impasse nas negociações para pôr fim ao conflito.
Os detalhes da proposta incluem:
Libertação de dez reféns israelitas vivos em dois grupos
Cessar-fogo de 70 dias
Retirada parcial israelita da Faixa de Gaza
Libertação de centenas de prisioneiros palestinianos por Israel
As posições divergentes: Enquanto uma fonte próxima do Hamas confirmou à Reuters que o movimento aceitou a proposta recebida através de mediadores, um oficial israelita rejeitou-a, afirmando que "nenhum governo responsável poderia aceitar tal acordo". O próprio enviado americano Steve Witkoff negou que o Hamas tivesse aceite a sua proposta, considerando-a "completamente inaceitável".
O contexto do conflito: O conflito começou a 7 de outubro de 2023, quando militantes do Hamas mataram 1.200 pessoas em Israel e sequestraram 251 reféns. A resposta militar israelita já causou quase 54.000 mortos palestinianos, segundo as autoridades de Gaza, devastando completamente a faixa costeira. O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu mantém que só aceitará um cessar-fogo temporário em troca dos reféns, insistindo que a guerra só terminará com a erradicação do Hamas.
Aprofundar: visao.pt, reuters.com
🇺🇸 🗣 Trump aceita adiar tarifas de 50% à UE para 9 de julho
Donald Trump ameaçou na sexta-feira impor tarifas de 50 por cento sobre os produtos da UE a partir de 1 de junho, citando a falta de progresso nas negociações comerciais. Numa conversa telefónica com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no domingo, o presidente americano concordou, no entanto, em adiar a medida até 9 de julho, depois de von der Leyen ter dito que estava pronta a avançar com as conversações "rápida e decisivamente". Os meios de comunicação europeus fazem o balanço.
🗣 Athanasios Adamopoulos observa que Trump voltou a atacar a Europa com ameaças tarifárias, depois de um período de aparente calma que permitiu a recuperação dos mercados. O comentador nota que, apesar de Trump acreditar que ainda não cumpriu a sua missão de alterar o equilíbrio do comércio global, analistas, corretores e investidores já aprenderam a lição e sabem que, no final, será alcançado algum tipo de compromisso. Cita o guru bolsista Ed Yardeni, que afirma que "não é tão mau como se pensa". • Naftemporiki (Grécia)
🧐 Annett Meiritz argumenta que quanto mais cedo os europeus assumirem o pior cenário com Trump, mais rapidamente poderão desenvolver as suas próprias estratégias. Para os europeus, isto significa que devem continuar a tentar conseguir que Trump concorde com acordos concretos e mostrar-lhe que estes são úteis. Simultaneamente, nunca devem confiar que estes esforços mudem o estado de perturbação permanente. A analista adverte que os americanos servem aos seus "parceiros" europeus cálculos gelados, mesmo que por vezes sejam embrulhados em palavras calorosas, e que quem ainda não compreendeu a seriedade da situação está irremediavelmente perdido. • Handelsblatt (Alemanha)
🕵️ Gojko Drljača compara Donald Trump ao grande caçador do MAGA numa expedição de interesses de superpotência, um caçador que vê a oportunidade, aponta e atinge o alvo. Enquanto Bruxelas basicamente gira sobre o seu próprio eixo e parece desorientada, os trumpistas produzem decretos estratégicos, negociações, acordos, mudanças e planos uns após outros. O comentador questiona como é que a "líder" europeia, Ursula von der Leyen, conseguirá acompanhar todas as iniciativas de Trump. • Jutarnji List (Croácia)
✍ Adam Grzeszak explica que alguns acreditam que Trump está a empregar a "estratégia do louco", termo usado pelo presidente Richard Nixon quando disse à sua equipa que levaria a outra parte a fazer mais concessões se se comportasse de forma imprevisível e sugerisse que estava preparado para agir da maneira mais insana. O analista nota que Trump já testou esta estratégia durante o seu primeiro mandato, com resultados modestos. • Polityka (Polónia)
🗣 Danilo Ceccarelli atribui as ameaças de Trump de impor tarifas de 50 por cento à UE a partir de 1 de junho a um cocktail de frustração e raiva. Esta mudança súbita deve-se ao facto de, aos olhos dos americanos, Bruxelas estar a mover-se demasiado lentamente nas negociações. Acima de tudo, não houve resposta do lado europeu à exigência de imposição de tarifas sobre produtos chineses na Europa. O comentador considera que é demasiada hesitação para o chefe da Casa Branca, que, como de costume, escolheu o caminho da intimidação. • La Stampa (Itália)
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📊 🇪🇺 Portugal entre os países com maior desvio às regras orçamentais europeias
A Comissão Europeia prevê que Portugal será o terceiro país da zona euro com maior desvio ao compromisso assumido para a variação da despesa primária líquida em 2025 e 2026. Bruxelas antecipa um crescimento desta despesa de 6,1% este ano e 6,3% em 2026, valores muito acima dos 5% e 5,1% prometidos pelo Governo português.
O que está em causa:
Portugal comprometeu-se com uma variação média da despesa primária líquida de 3,7% nos próximos quatro anos
A Comissão Europeia prevê valores muito superiores: 6,1% em 2025 e 6,3% em 2026
O desvio médio de 1,1 pontos percentuais coloca Portugal apenas atrás da Eslováquia e da Lituânia
Porquê esta divergência? Bruxelas aponta várias razões:
Aumentos dos salários da função pública e das pensões
Redução do imposto sobre lucros das empresas prevista para 2026
Investimento público financiado pelos empréstimos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)
Desaceleração do crescimento das receitas do Estado
As contas públicas também preocupam: Enquanto o Governo prevê excedentes de 0,3% este ano e 0,1% em 2026, a Comissão Europeia antecipa apenas 0,1% de excedente em 2025 e um défice de 0,6% do PIB em 2026.
A resposta do Governo: O ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, mantém as metas e mostra-se confiante, mas admite que 2026 será "mais exigente" devido ao impacto de três mil milhões de euros de empréstimos do PRR. Uma possível solução pode passar por uma execução inferior à prevista dos investimentos financiados por estes empréstimos.
Fonte: publico.pt
NOTA DO EDITOR
✊🌹 Força força companheiro Vasco
Os mais antigos sabem do que estou a falar. E é para eles em primeiro lugar este texto. Que é um texto de esperança. Não no companheirismo de Vasco Gonçalves, mas prosaicamente na manutenção da democracia e no recuo do Chega.
Há 50 anos Portugal era um país muito diferente de hoje, muitíssimo mais pobre, atávico e desesperado. 35% da população era tecnicamente analfabeta. A canção era um dos principais veículos de comunicação de massas. Em todo o país, mas muito especialmente das duas margens do Tejo até ao Atlântico a oeste e sul, mais de metade do continente em área e população, a pobreza era a norma.
A Revolução de Abril em 1974 terminou com a repressão que amordaçava os sinais de descontentamento. Os descontentes e revoltados, na sua imensa maioria, não tinham nada — nem sequer bandeiras atrás das quais pudessem engrossar uma narrativa de mudança.
Foi o PCP o primeiro partido a dar-lhes bandeiras, como a luta de classes.
E alvos, como os fascistas e os latifundiários.
E objetivos para o país, como a ditadura do proletariado.
50 anos depois, muito se resolveu e o país enriqueceu. Não me refiro só ao PIB, que era em 1974 de 6% do atual — 17 000 milhões de dólares. Porque o PIB de todo em todo não reflete a riqueza de mais de metade da população, e sobretudo os mais desfavorecidos; cerca de 1 em cada 4 cidadãos, tem as dificuldades financeiras muito semelhantes às de há 50 anos.
Mas há 50 anos ninguém, nem a metade de baixo nem quase toda a metade de cima, tinha acesso à saúde. Hoje tem — já foi mais fácil, já foi mais rápida, mas foi sempre quase gratuita e de qualidade. A educação era um privilégio de poucos, hoje temos 12 anos de ensino obrigatório e o ensino superior é um privilégio atingível pela grande maioria. A fome — que persistiu em grandes regiões dessa metade geográfica do país até aos anos 1990 — não vitimiza hoje nenhum cidadão.
Não vou estender às dezenas de setores e às centenas de indicadores que DESMENTEM EM ABSOLUTO as mentiras com que o CH faz campanha e arrasta multidões. Acho que é suficiente para se perceber a mensagem: estamos BEM MAIS RICOS, desde que façamos as contas a tudo o que temos e não tínhamos. O SNS e o ensino público custam dinheiro. Pipas dele. Mas é um dado adquirido para quem não teria dinheiro para pagar saúde e educação. Ninguém se lembra de contar com isso no seu fim do mês.
O PROBLEMA é que isto não funciona assim. As pessoas — incluindo nós, os que trauteámos, na convicção ou no gozo, o força força companheiro vasco, fossemos candidatos à muralha de aço ou ao que ela impediria — não pensam verticalmente, não medem o seu dia a dia com o seu dia a dia de há 50 ou 40 ou 30 anos. Pensam horizontalmente — medem as suas dificuldades presentes e comparam-se com os vizinhos e invejam/admiram os não-vizinhos que exibem os sinais de riqueza nos ecrãs.
AQUI CHEGAMOS (pun intended) ao busílis deste texto: o que fazer com o CH?
Primeira pergunta: podemos fazer alguma coisa? Ou não será isto um movimento sistémico, como parece, até porque tem um respaldo internacional fortíssimo, com dois impérios empenhados em destruir o bem estar da União Europeia e dos seus países e populações, EUA e Rússia.
Não sei. Não sei responder a essa pergunta.
Eis o que sei.
Há 50 anos, meio século, o país cantava a "muralha de aço", sinal e bandeira dos pobres, desesperados, ressentidos, ressabiados e perdedores do regime anterior. A onda popular parecia imparável. Alguns temiam a sovietização do país. Os outros, que pareciam e eram uma maioria, que à época tinha sinais de semelhança com o que hoje vemos na gritaria dos cheganos, dentro e fora da Assembleia da República, iriam manter a sua marcha triunfal.
Os jovens, sobretudo, aderiam com entusiasmo à reconfiguração do sistema, do país. Queriam todos a ditadura do proletariado, a sovietização da economia, a redução da propriedade privada? Claro que não. Como hoje não querem a castração química, o fim da presunção da inocência e a entrega imediata do Estado aos grupos económicos privados — para falar de algumas das bandeiras da direita radical. As bandeiras servem de agregador de energias. O que todos queriam, o que todos querem, era, é, sentir o entusiasmo de estar a criar o seu futuro coletivo.
E NO ENTANTO NÃO TEMOS UMA DITADURA DO PROLETARIADO. Nem sequer o amanhã que também se cantou, o da democracia popular, não pelos mesmos autores, mas por vizinhos. Porquê?
Compreender os pontos seguintes é tactear as soluções para o momento presente. Mas a primeira mensagem já aqui está: a onda parecia alta e imparável há 50 anos tal como parece a presente onda.
Só os entusiastas de Ventura acreditarão no destino, no alinhamento astral e na ordem divina; nada disso é real. Não está escrito em lado algum que tem de ser assim. O futuro, de resto, não está escrito. Nunca Portugal teve um regime socialista, mesmo quando quase todos os sinais e movimentações apontavam nesse sentido. Portugal não tem de mudar de regime para uma ditadura do ressentimento, mesmo que muitos sinais e energias apontem nessa direção.
Vamos aos pontos. Onde bateram as ondas da ditadura do proletariado e da democracia popular (de sinal histórico esquerdista, que de todo em todo não é a que os eleitores do CH perseguem)?
Num líder que mudou o rumo dominante, munido de uma narrativa oposta e forte, que teve o apoio empenhado de uma superpotência.
Ou seja: Mário Soares, a democracia participativa e os Estados Unidos da América da altura.
Estes são títulos breves. Na realidade, embora fosse a figura que tomou decisões importantes (o PS tomou muito cedo o rumo maioritário da social-democracia), Soares não era o único, e uso-o para personificar uma plêiade de personalidades que muito contribuíram para suster a onda e mudar o que parecia imparável.
Os tempos eram sem dúvida diferentes. Mas se a principal diferença acaba por não ter nenhuma influência — refiro-me ao imenso crescimento económico e social do país nestes 50 anos —, há uma que é determinante: a comunicação social.
Em 1975 tínhamos um operador de televisão com dois canais (a RTP 2 começara em 1968), três canais de rádio (Emissora Nacional, Rádio Clube Português e Renascença), e, se a memória não me falha, nove jornais diários.
A comunicação política dependia desses canais de comunicação de massas. Dadas as características do panorama mediático e da literacia da população, a canção era um dos grandes veículos de identificação. Grosso modo, corresponde aos atuais memes.
Esse panorama é extraordinariamente diferente. Não cabe aqui a descrição exaustiva: basta dizer que a comunicação política ao longo das últimas duas décadas se foi tornando independente dos meios de massas. Dois exemplos: hoje os candidatos dão raras entrevistas a jornalistas, o que levantaria uma imensa gritaria há 20 ou mesmo 10 anos e era impossível há 40 anos; hoje os partidos e os candidatos dispõem das redes sociais, onde se publica cumprindo um único critério, que é o de pagar.
Não é um pormenor: faz toda a diferença na mensagem. Um candidato que mentisse numa entrevista ao jornalista era facilmente desmontado, contraditado e penalizado, porque estava subordinado a um crivo editorial. Mesmo as canções tinham de ser aprovadas pelo crivo, que era diferente do jornalístico, mas existia; o crivo do editor fonográfico, cuja reputação (logo, negócio) dependia de um patamar de qualidade sobre o qual o candidato não tinha nenhuma alavancagem. Hoje basta pagar a qualquer dos donos dos múltiplos canais e plataformas para se passar qualquer mensagem, verdadeira, falsa, acusatória, manipuladora, etc.
AS RECEITAS DE 1975 TÊM APLICABILIDADE HOJE? Eu reformulo: um Mário Soares dava hoje a volta ao texto da extrema-direita? A narrativa da democracia tem hoje a densidade de há 50 anos?
Olhando à volta, não se vê uma figura emergente com as características, experiência, mundivisão e sobretudo independência como as que povoavam a política há 50 anos. Mas há outras — e seguramente mais alinhadas com as nossas realidades que Soares, Sá Carneiro, Eanes, Zenha, Pintasilgo, Freitas do Amaral, Amaro da Costa, Spínola, Lucas Pires, Adriano Moreira, que teriam dificuldades em ENTENDER a nossa complexidade social, económica e política.
E Soares, pese embora já ser uma figura de relevo à época em que metaforicamente meteu o socialismo na gaveta, adensou a admiração geral daí em diante e em boa medida por, precisamente, ter infletido o rumo dos acontecimentos e evitado a sovietização e a democracia popular.
Quanto à narrativa, a sua densidade não se alterou mas tem um problema: perdeu toda a frescura. Tem uma imagem muito desgastada, perdendo apelo. E como não é substituível, exige o esforço acrescido de a revitalizar.
O que seguramente tem de mudar são as bandeiras. Foi na maionese dos alvos que as esquerdas patinharam nestes dez anos. Algumas são anacrónicas, outras são irrelevâncias estatísticas, outras ainda são dados adquiridos. Mas há muitas para testar e vale a pena pois as bandeiras são o refresco da narrativa.
O MAIOR PROBLEMA, face à situação de há 50 anos, é que não há nenhuma superpotência que possa ajudar uma liderança munida da narrativa refrescada. Washington está no alinhamento de Moscovo e de Pequim, três autocracias com um objetivo comum no qual Portugal faz parte de um alvo, não é um aliado potencial.
Não há um Henry Kissinger para financiar campanhas de (des)informação contra o avanço da ditadura dos ressentimentos, nem um Carlucci para canalizar o dinheiro dos impostos americanos para as campanhas eleitorais do PS contra o CH, nem um Willy Brandt para incentivar a narrativa da social democracia.
Eu gosto de pensar — e penso — que como europeus fazemos parte do bloco político e económico mais rico e forte do planeta. Mas este bloco não se vê a si próprio como a superpotência que já é, na forma embrionária. E, ao contrário do império americano na década de 1970, não está no auge da sua auto-confiança expansionista, pelo contrário, tem problemas próprios maiores que os das suas regiões. A União Europeia está sob ataque e é dessa defesa maior que se ocupa.
FINALIZANDO, e em síntese: a História diz-nos claramente que a marabunta chegana não tem forçosamente de descambar na ditadura dos ressentidos nem de mudar o sistema, mas que temos de descobrir as nossas soluções.
📢 🤯 O debate linguístico que divide os democratas nos EUA
Com as eleições de 2026 e 2028 no horizonte, o Partido Democrata norte-americano está a debater-se internamente com uma questão de linguagem: o uso de jargões progressistas poderá estar a afastar eleitores-chave, sobretudo nas zonas rurais e nas classes trabalhadoras brancas. Termos como “interseccionalidade”, “equidade”, ou expressões como “pessoas com insegurança alimentar” ou “populações envolvidas na justiça” (em vez de “presos”) são criticados por alguns democratas centristas como linguagem elitista, académica e emocionalmente distante.
Para figuras como o senador Ruben Gallego (Arizona), expressões como “equidade social” são desnecessariamente complexas. “Porque não dizemos simplesmente ‘queremos que tenha uma oportunidade justa’?”, questiona. O governador do Kentucky, Andy Beshear, com aspirações presidenciais, acrescenta que os democratas passaram a falar como professores universitários, usando termos que pretendem reduzir o estigma, mas que acabam por esvaziar a força emocional da linguagem política.
A crítica parte de um sentimento crescente de que muitos eleitores não se revêem numa linguagem que parece testada em ambientes de elite, como Ivy Leagues ou ONG’s, e que isso alimenta a percepção de que os democratas são condescendentes ou “desligados da realidade”.
Contudo, esta visão não é consensual. Muitos progressistas argumentam que o problema não está nas palavras, mas no ataque sistemático dos republicanos, que transformam qualquer tentativa de linguagem inclusiva num espantalho político. Expressões como “woke”, “teoria crítica da raça” ou “fluidez de género” são frequentemente usadas pela direita para ridicularizar os democratas e consolidar a sua base conservadora. Para Daria Hall, da agência progressista Fenton Communications, a evolução da linguagem é natural e necessária para respeitar a forma como as pessoas se identificam. “Não se trata de julgar, mas de reconhecer a dignidade dos outros.”
Esta tensão foi visível no confronto indirecto entre o senador Bernie Sanders e a congressista Elissa Slotkin. Sanders defende o uso do termo “oligarquia” para denunciar a influência de bilionários na política, enquanto Slotkin considera que os eleitores compreendem melhor expressões mais directas, como “os americanos não têm reis”.
Slotkin também defende que a linguagem dos democratas deve vir “da linha de montagem da fábrica e não da sala de professores”, e recorda um momento de campanha em que conquistou trabalhadores sindicalizados com uma abordagem directa e sem filtros. Para ela, os democratas devem combinar políticas eficazes com uma comunicação emocionalmente poderosa — algo em que Trump tem sido exímio.
Trump, de facto, tem liderado uma guerra cultural contra a linguagem progressista, apagando termos como “diversidade, equidade e inclusão” dos sites governamentais e associando adversários como Kamala Harris a expressões como “they/them”, tentando assim criar uma imagem de radicalismo.
A verdade, segundo analistas, é que muitos democratas admiram a capacidade de Trump para usar slogans simples e impactantes — “Make America Great Again”, “invasão de imigrantes ilegais” — mesmo que sejam vazios ou enganosos. O desafio democrata passa por encontrar uma linguagem igualmente eficaz, sem abdicar dos valores de inclusão e justiça social.
A necessidade de comunicar melhor é, portanto, cada vez mais consensual entre os democratas. Figuras como Pete Buttigieg ou JB Pritzker estão a testar novos estilos e vocabulário, procurando chegar a um eleitorado mais vasto sem alienar os seus princípios. Como resume Buttigieg: “não se pode criar uma linguagem para todos apenas a falar com quem já concorda connosco”.
Condensado de Democratic troubles revive debate over left-wing buzzwords. From “intersectionality” to “equity,” many say jargon is alienating key voters. But progressives say inclusive language is vital. Por Naftali Bendavid no Washington Post
Portugal
⚖️ Carlos César mantém a retirada de apoio ao autarca de Vizela, Victor Hugo Salgado, apesar do arquivamento da queixa por violência doméstica. A decisão será reavaliada após 12 de junho, data limite para candidaturas à liderança do PS. • publico.pt
🏛️ Carlos Moedas defende retirada de cartazes políticos de todas as grandes avenidas de Lisboa. Após remover propaganda do Marquês de Pombal (setembro 2022) e Alameda (dezembro 2024), a Câmara retira agora cartazes do Eixo Central entre Saldanha e Entrecampos. O autarca justifica com poluição visual e património municipal. • sicnoticias.pt
🏛️ Luís Marques Mendes elogiou a abertura de José Luís Carneiro a entendimentos com a AD, considerando que pode permitir um "Governo de legislatura" e reformas. O candidato presidencial criticou implicitamente Pedro Nuno Santos, afirmando que o PS tinha "uma posição muito fechada" até agora. • expresso.pt
🌾 O ministro da Agricultura português José Manuel Fernandes rejeitou a criação de um fundo único para os dois pilares da PAC. Defendeu que esta opção "é a destruição" da Política Agrícola Comum e que o financiamento deve ser atualizado num mínimo de 2% ao ano. • 24.sapo.pt
União Europeia
🇷🇴 Nicusor Dan tomou posse como novo presidente da Roménia em meio a alegações da extrema-direita de que a eleição foi ilegítima. O rival nacionalista George Simion mantém que a eleição de 18 de maio representa um "golpe de estado". A votação inicial de novembro foi anulada devido à interferência russa. • aljazeera.com
💰 O défice da segurança social francesa é insustentável. O Tribunal de Contas alertou para o risco de "incumprimento de pagamentos" devido à crise de liquidez. O sistema celebra 80 anos num estado financeiro alarmante, com défices crescentes após ligeira melhoria pós-Covid. • lemonde.fr
Economia
🏦 O ouro do Banco de Portugal valorizou 34% em 2024, atingindo 31 mil milhões de euros. As 382,7 toneladas fazem de Portugal a sexta maior reserva de ouro da Europa Ocidental. O aumento contribuiu para elevar o balanço do BdP para 191 mil milhões de euros. • dn.pt
🏦 O Banco de Portugal vai reduzir em cerca de metade a dívida pública no seu balanço nos próximos cinco anos. Detém atualmente 75 mil milhões de euros, face aos 86 mil milhões de 2022. Cerca de 50% dos títulos vence nos próximos cinco anos, criando desafios de financiamento para o Estado. • publico.pt
Mundo
🇮🇷 O Presidente iraniano Masoud Pezeshkian afirmou que o Irão sobreviverá se as negociações nucleares com os EUA falharem. Trump descreveu as conversações do fim de semana como "muito boas", após a quinta ronda de negociações em Roma. As discussões visam resolver a disputa sobre o programa nuclear iraniano. • reuters.com
🇻🇪 A coligação de Nicolás Maduro venceu as eleições regionais venezuelanas com 82,6% dos votos e 23 das 24 governações. A participação foi baixa (42,6%) devido ao boicote da oposição liderada por María Corina Machado, que afirmou que 85% dos venezuelanos "desobedeceram ao regime". • elpais.com