[1.8] Negoceiem e entendam-se: portugueses rejeitam maioria absoluta e bloco central
E se de repente os partidos à esquerda do PS nos oferecessem uma "coligação verde"? Não vão. Mas a ideia dá que pensar nesta altura de reordenamento partidário e com 17% de indecisos.
Estamos a três meses das eleições legislativas antecipadas. E mergulhado Portugal na sua pior crise política — dos políticos mais que das políticas, note-se — em 50 anos de democracia. Cenário propenso à aproximação portuguesa ao coração da União Europeia: avanço da extrema-direita e governos de coligação que não envolvam os dois principais partidos. Podemos “ler” os resultados dos estudos de opinião como um recado dos eleitores aos partidos: cresçam e apareçam, negoceiem e entendam-se. Da direita já se sabe o que aí vem. Mas e à esquerda? Fica aqui uma ideia original para começar a maturar: uma “coligação verde” entre os partidos médios e pequenos da esquerda para fintar o método de Hondt e ganhar representação parlamentar.
ANÁLISE
🇵🇹📉 Negoceiem e entendam-se (ou cresçam e apareçam?): portugueses rejeitam maiorias absolutas e bloco central
A política portuguesa encontra-se num momento de transição, enfrentando um reordenamento partidário que tende à polarização. As previsões apontam para a possibilidade de o país deixar de ser uma exceção na União Europeia em termos de governação por coligações, seguindo a tendência predominante entre os Estados-membros.
Em paralelo ao crescimento da importância da extrema-direita, os estudos de opinião realizados neste período revelam uma clara mudança na preferência dos eleitores, com uma menor inclinação para a formação de um “bloco central” entre os principais partidos, o Partido Socialista (PS, que venceria umas eleições legislativas realizadas hoje com 22% dos votos) e o Partido Social-Democrata (PSD, que as perderia com 18%).
Contudo, é preciso ter em conta que nesta fase de transição há uma grande indecisão no eleitorado. Se encaixarmos como “partido” os indecisos, com 17% seriam a terceira força após PS e PSD, e à frente do CH, no quarto lugar com 11%. BE e IL surgem com 4% cada, seguidos pela CDU com 3% ou 2%, PAN com 2%, e CDS-PP e Livre com 1% cada. (Estes números referem-se às intenções diretas de voto, não incluindo estimativas com distribuição de indecisos.)
Estratégias de coligação
Esta é a altura para decisões estratégicas das direções dos partidos. As coligações pré-eleitorais à direita parecem fora de hipótese. Quanto ao cenário pós-eleitoral, em caso de vitória do bloco da direita a sondagem desta semana sugere uma maior abertura para negociações entre o PSD e partidos mais à direita, como a Iniciativa Liberal e o CDS-PP, e até com o CH.
À esquerda também não se fala de coligações pré-eleitorais, existindo ainda um clima de ressentimentos entre os partidos que deram suporte a dois governos do PS. Contudo, no âmbito das estratégias eleitorais e de governação em Portugal, a criação de coligações pré-eleitorais entre partidos de esquerda surge como uma iniciativa potencialmente vantajosa.
A análise da aplicação do método de Hondt às eleições anteriores ilustra (ver imagem abaixo) que uma Coligação da Esquerda Verde poderia, em março de 2024, não só reforçar a representatividade parlamentar destes partidos, mas também ser um parceiro mais consistente para o PS, numa versão renovada da “geringonça”. A “CEV” teria dado à esquerda parlamentar mais 5 deputados em 2019 e mais 3 em 2022.
Pontos a reter
A probabilidade de em Portugal se formar uma coligação governamental para assegurar a estabilidade na Assembleia da República, alinhando-se assim com a prática comum na maior parte dos países da UE
A erosão do bloco central e o crescimento da direita, com especial atenção ao avanço do partido Chega, que poderá forçar reajustes na dinâmica política e nas alianças partidárias
A relevância de Pedro Nuno Santos, possível futuro líder do Partido Socialista, na facilitação do diálogo entre a esquerda, podendo determinar a formação do próximo governo, apesar do risco de redução de assentos para a esquerda no parlamento
A sondagem revela que uma percentagem crescente de eleitores (59%) prefere que o partido vencedor das eleições não obtenha maioria absoluta, o que aponta para uma maior aceitação de governos de coligação ou minoritários
Existe uma indefinição significativa entre os eleitores sobre o cenário pós-eleitoral, com mais de 30% dos inquiridos sem uma resposta concreta sobre com quem negociar, demonstrando incerteza política
O declínio na preferência por negociações entre o PS e o PSD mostra uma perda de apoio à ideia de um "bloco central", enfatizando o desejo de renovação nas opções de governação e potenciais alianças entre os partidos
A formação de uma coligação à esquerda poderia maximizar os assentos parlamentares destes partidos, de acordo com simulações baseadas no método de Hondt, beneficiando de um maior número de deputados do que se concorressem separadamente.
No cenário hipotético de uma ‘Coligação da Esquerda Verde’ nas eleições de 2019 e 2022, ter-se-ia observado um reforço da presença destes partidos na Assembleia da República e uma maior estabilidade da maioria de esquerda, mesmo com uma ligeira redução de lugares para o PS
A “CEV” teria dado à esquerda parlamentar mais 5 deputados em 2019 e mais 3 em 2022
Numa referência ao caso de Espanha e à coligação Sumar, destaca-se a importância de estratégias políticas semelhantes noutros contextos, sugerindo a designação de “Somar+” como uma iniciativa análoga em Portugal que poderia aproveitar a vantagem da matemática eleitoral para uma representação mais proporcional e influente no parlamento.
Fontes: Público (coligações, sondagem), Expresso(€), Visão(€)
🌍 😔 Crise alimentar sem precedentes em África
África confronta-se com uma carestia alimentar sem precedentes, afetada pela mudança climática e pelas consequências da guerra na Ucrânia. A insegurança alimentar amplia-se na região, com mais de 280 milhões de pessoas a passarem fome, segundo um relatório conjunto das Nações Unidas e outras organizações. Desde 2019 a situação piorou drasticamente, agravada pela pandemia da Covid-19 que adicionou cerca de 57 milhões ao número de subalimentados desde 2020. A escalada dos preços dos alimentos e do combustível pós-invasão russa da Ucrânia em 2022, bem como fenómenos climáticos extremos que assolam a agricultura africana, estão a pressionar ainda mais os custos, interrompendo o fornecimento de alimentos.
Manifestações violentas têm eclodido em várias partes da região devido à inquietação pública com a inflação dos alimentos, contribuindo para a instabilidade política, incluindo golpes militares na África Ocidental. Estima-se que 78% da população africana não consiga suportar o custo de uma dieta saudável, que atualmente está avaliada em $3.77 por pessoa por dia, ultrapassando o limiar de extrema pobreza fixado em $2.15 por dia. Este cenário alarmante destaca a necessidade urgente de ação para mitigar a fome e a má nutrição até 2030, apesar da previsão de um crescimento económico mais lento, inflação elevada e custos crescentes de empréstimos tanto a nível doméstico como internacional.
Números tristes
Número de pessoas subalimentadas aumentou em 57 milhões desde a pandemia de Covid-19
78% dos africanos não podem pagar uma dieta saudável, excedendo o limiar de extrema pobreza.
Fonte: Bloomberg
🇦🇶 😲 Gigante de gelo A23a em movimento após 35 anos
Cientistas acompanharam a recente libertação do maior icebergue do mundo das margens da Antártida, um fenómeno considerado natural mas que sublinha os graves riscos associados ao aumento do nível global do mar. Com uma área próxima dos 4.000 quilómetros quadrados, este colosso gelado nomeado de A23a navega agora livremente rumo ao oceano Austral, pela primeira vez desde 1986. O interesse científico nesta massa de gelo, capaz de impor uma nova realidade no ecossistema marinho, é ampliado pela sua magnitude e pela ameaça que representa, simbolizando a urgente problemática das alterações climáticas.
Robbie Mallett, cientista especializado em gelo marinho da University College London, capturou a imaginação geral ao referir a dimensão impressionante do A23a na conferência COP28 nos Emirados Árabes Unidos. Avaliado em quase um trilião de toneladas métricas, o icebergue segue agora para a região conhecida como “iceberg alley”, onde é comum a deriva até à ilha montanhosa da Geórgia do Sul. A separação deste bloco gigante do gelo antártico, embora faça parte do ciclo natural de “escultura” do gelo, ocorre num contexto de aumento preocupante de eventos similares, intensificados pela crise climática.
Fonte: CNBC
CURTAS
LISBOA - O ministro das Finanças, Fernando Medina, exprime esperança em alcançar um acordo sobre as regras orçamentais da União Europeia até ao final do ano, em próxima reunião do Ecofin. As discussões, até agora sem consenso, poderão culminar num primeiro acordo sobre a governança europeia. Apesar de meses de impasse, a decisão é aguardada nas semanas que se avizinham. • RR
ELÉTRICOS - Os fabricantes de automóveis estabelecidos estão a responder à crescente concorrência dos veículos elétricos chineses mais acessíveis, acelerando o desenvolvimento de EVs a preços competitivos e pressionando fornecedores para reduzirem custos. Andy Palmer, presidente da startup britânica Brill Power, destaca a necessidade da indústria de se adaptar, ou arrisca-se a perder para os fabricantes chineses. • Reuters
HARARE - Energéticas descobriram gás natural no norte de Zimbabwe, apontando a exploração como potencial atenuante da necessidade do país de importar energia. O ministro das Minas, Zhemu Soda, salientou a relevância do achado no Cabora Bassa Basin para a região africana. • AllAfrica
ABU DHABI - O Presidente russo, Vladimir Putin, realizou visitas aos Emirados Árabes Unidos e à Arábia Saudita para reforçar o papel de Moscovo como interlocutor no Médio Oriente, paralelamente ao conflito na Ucrânia. A visita a Abu Dhabi ocorreu durante as conversações do COP28 das Nações Unidas, sendo a primeira à região desde a pandemia e a invasão da Ucrânia em 2022. • AP
COPENHAGA - O parlamento da Dinamarca aprovou uma lei que torna ilegal a profanação de textos sagrados, após atos de desrespeito ao Alcorão provocarem protestos em países muçulmanos. A medida visa combater a "zombaria sistemática" que aumenta a ameaça terrorista no país, segundo o ministério da Justiça. • AP
MERCOSUL-EU - A oposição de última hora da Argentina e da França contribuiu para a suspensão do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, após duas décadas de negociações. Pedro Sánchez, primeiro-ministro espanhol, e o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva tentaram finalizar o acordo, mas foram surpreendidos pela resistência dos presidentes Alberto Fernández e Emmanuel Macron, levando ao cancelamento da viagem do principal responsável comercial da UE ao Rio. • Foreign Policy
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Uma exposição
Rare Earth - Tony Cragg, Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC) - Lisboa, 26 outubro 2023 a 25 fevereiro 2024. “Tony Cragg (Liverpool, 1949) é um dos mais analíticos, lúdicos, persistentes e inovadores escultores dos últimos 50 anos. Radicado em Wuppertal, Alemanha, desde 1977, tem aí atelier e aí estabeleceu a base da sua carreira internacional que se desdobra entre o desenho e a escultura, tendo diversa obra pública em todo o mundo. A exposição Rare Earth, de Tony Cragg, traz, pela primeira vez, a Lisboa, um conjunto significativo de cerca de 5 dezenas de obras do artista, entre escultura e desenho, de 1979 a 2023, numa perspetiva reveladora da sua obra.
Além das esculturas e desenhos patentes no Museu Nacional de Arte Contemporânea de 26 de Outubro de 2023 a 25 de Fevereiro de 2024, o diálogo com as obras estende-se também ao espaço público, numa inédita parceria do MNAC com a Câmara Municipal de Lisboa.” Curadoria: Emília Ferreira
Um concerto
Folia Nova – Nova Música Antiga sobre Poesia Portuguesa dos séculos XV e XVI – Sete Lágrimas, Filipe Faria e Sérgio Peixoto, CCB, Lisboa, 15 dezembro 2023, 21:00. “O termo «folia» surge em fontes portuguesas do final do século XV e inícios do século XVI sendo referida no Auto da Sibila Cassandra do dramaturgo português Gil Vicente (c.1465–c.1536), escrito por volta de 1513, como uma dança interpretada por pastores. Durante um século esta estrutura musical (harmónica e rítmica) conquista toda a Península e afirma-se como um modelo popular em Itália, França ou Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII.”
Um livro
A Família, Sara Mesa, tradução de António Gonçalves, Editora Relógio d’Água, 2023. “A Família é uma história que atravessa um longo período (desde a década de 1980 até quase aos dias de hoje). Esta família é composta por pai, mãe e quatro filhos (dois rapazes e duas raparigas, das quais uma, Martina, foi adoptada aos 11 anos) – Martina é, assim, uma "intrusa", uma forasteira que os olha, como aliás já acontecia com a protagonista do romance anterior da escritora espanhola, Um Amor (Relógio d'Água, 2021).” José Riço Direitinho