[1.6] A difícil escolha entre regulamentar o lobbying ou deixar a democracia a turvar
Não curará a corrupção nem tocará na informalidade do campo de golfe. Regulamentar o lobbying trará ordenamento à relação entre políticos e interesses empresariais. Mas nem ao papel ainda passou.
Ainda longe de Itália, que em 37 anos de propostas não conseguiu aprovar uma regulamentação do lobbying, Portugal fala nisso uma vez mais. Apresentamos os prós e os contras e as expetativas — e o que não sucederá: a corrupção não será eliminada. A idade da reforma aumenta três meses em 2025. Mas olha, o Orçamento de Estado para 2024 foi aprovado. Pior sorte se espera da COP28: o anfitrião da cimeira do clima quer meter a raposa no galinheiro, perdão, incluir os combustíveis fósseis no combate às alterações ambientais. Adieu Paris. A transição para uma economia sem carbono custa uma pipa de massa e ninguém a quer financiar, muito menos com esquemas, avisa o TC alemão.
ANÁLISE
A difícil escolha entre regulamentar o lobbying ou deixar a democracia a turvar
Sem tempo? Lê só isto.
Na sequência da “operação influencer” os partidos regressam à regulamentação do lobbying
Os lóbis são essenciais no Parlamento Europeu, a atividade “vale” 1.800 milhões de euros por ano
Espanha (2022) e França (2016) já regulamentaram, Itália (50 propostas em 37 anos) está como Portugal, sem lei
Prós
o registo de interesses pode ser um meio para aumentar a transparência
fortalece a informação dos cidadãos sobre os interesses
permite “navegar” num mar de leis e instituições cujo poder é difuso
Contras
os verdadeiros interesses são supra registo, por definição
a eficácia de parecer haver mais transparência desvia o escrutínio da manipulação real
Nova corrida, nova viagem
O assunto não é novo. Sempre que o Ministério Público manda divulgar as suas suspeitas de atividades ilícitas na relação do poder político (central, regional e autárquico) com os interesses privados, o que é frequente, ressurge a possibilidade (ou necessidade?) de regulamentar a prática do lobbying.
Percebe-se porquê. A “operação influencer” em curso é um estudo de caso sobre as relações intensas entre governantes, autarcas e promotores empresariais, com estes a procurarem chegar àqueles para pressionar nalgum aspeto relacionado com os seus investimentos. Os registos recolhidos pelo MP apontam para uma diversidade de contactos. Já a conclusão da investigação — tratarem-se de indícios de corrupção — era tão fraca que acabou por cair. E esta fraqueza acusatória é demasiado frequente, lançando a confusão generalizada, vitimando inocentes — e afetando até a imagem pública da Justiça em geral e do Ministério Público em particular.
É nesta moldura que ressurge a ideia de regulamentar o lobbying — a atividade profissional que, através de comunicações e contactos, visa influenciar uma decisão pública ou política.
[ Um exemplo prático: no caso da “operação influencer” a figura do advogado Diogo Lacerda Machado, referido maldosamente milhares de vezes na comunicação social como “o melhor amigo de António Costa”, estaria apenas a fazer o seu trabalho e os contactos não levantariam suspeitas, acaso a atividade estivesse regulamentada. ]
A “luta contra a corrupção” é, de resto, a justificação dada pelo presidente do PSD para voltar a colocar o assunto ao Parlamento através de um projeto de lei. Luís Montenegro adita “a exigência de transparência na vida pública e a necessidade de termos menos burocracia”. São chavões que lhe permitem chamar a atenção em pré-campanha eleitoral, mas até o seu partido já tinha navegado o assunto. Bem como todos os outros no Parlamento, exceto BE e PAN.
O PS quer avançar com a regulamentação desde 2015. Chegou a apresentar o seu projeto de lei e promete regressar na próxima legislatura. Embora com diferenças entre eles, PS, CH e PAN vão insistir nas iniciativas já apresentadas. Todos querem aprovar regras de transparência aplicáveis às entidades privadas que representam interesses de forma legítima junto das entidades públicas e criar um registo dessas entidades, junto da Assembleia da República ou da Entidade para a Transparência.
Mas,
Para que serve (e não serve) a regulação do lobbying?
Para evitar expectativas irrealistas, comecemos por discutir para o que não serve a regulação, escrevia já em 2018 Susana Coroado, investigadora associada do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e autora do livro “O Grande Lóbi: como se influenciam as decisões em Portugal”. É frequente, no seguimento de escândalos envolvendo relações pouco claras entre o poder político e o económico, ouvir por parte de comentadores que é fundamental regulamentar o lobbying. Ora, a regulamentação desta prática, só por si, jamais evitará a corrupção ou o tráfico de influências, assentes na garantia de uma decisão favorável em troca de uma compensação, como não trará à luz do dia influências que se querem manter ocultas. Também não evitará que decisores públicos mantenham contactos com grupos de interesse que se inserem nos seus círculos sociais — amigos, familiares ou parceiros de golfe. Nem tão pouco porá termo aos canais de influência criados pelas portas giratórias que permitem a políticos circular entre o público e o privado e pelos interesses que os deputados acumulam sem qualquer supervisão. Estes problemas devem ser tratados através de outros diplomas legislativos.
“Regulamentar os lobbies pode ser uma excelente intenção, mas duvido que essa regulamentação atinja os verdadeiros lobbies, os dos de “cima”, e penso que moderará apenas os “de baixo””, escreveu há dias José Pacheco Pereira. Basta ver a lista dos “influenciadores” que actuam junto do, ou com o, poder político para ver como uma legislação a sério sobre lobbies desertificaria as direcções dos partidos políticos, o comentário televisivo em sinal aberto e a elite da nossa advocacia e consultadoria, e obrigaria a registos incómodos em governantes, autarcas, deputados, gabinetes, etc., etc. “Um grande etc”, conclui o antigo deputado e eurodeputado, que conhece bem a prática do lobbying.
Navegar na bruma da complexidade
No Parlamento Europeu não se diz “lobby”: diz-se grupo de interesses e transparência. O poder dos lobistas tem vindo a crescer em Bruxelas e para alguns isto significa que a política europeia se está a tornar mais pantanosa.
Na prática, o que assoma dos relatos de Bruxelas é que há uma relação entre a capacidade financeira e a sua eficácia de pressão. Mais reuniões e mais resultados obtêm as empresas e consórcios que gastam pequenas fortunas nos profissionais do lobbying, comparados com as pequenas associações — sobretudo se forem associações que não representam empresas mas sim grupos de resistência, como é comum no ambiente.
Mas estas árvores não são a floresta. E o dinheiro não se traduz necessariamente em influência política. “Bolsos fundos não se traduzem em lobby eficaz”, diz Nicholas Aiossa, da Transparency International. Algumas empresas investem dinheiro em lobistas internos, consultorias e campanhas de marketing sem muitos resultados. Mas bons lobistas procuram participar do debate que desejam influenciar o mais cedo possível, para tentar moldar a agenda.
Por outro lado, e isto é também cada vez mais significativo à medida que aumenta o número de diplomas, alíneas e suas exceções, e como o poder na UE é difuso e as decisões resultam de acordos na Comissão, no Conselho (composto pelos 27 chefes de governo) e no Parlamento, bons lobistas que conseguem navegar pelo ciclo de decisões dessas três instituições podem ser inestimáveis.
Um mercado de 1.800.000.000 de euros
Em Bruxelas pelo menos 48.000 pessoas trabalham para organizações que buscam influenciar as instituições e decisões da UE. Dessas, 7.500 são lobistas credenciados no Parlamento Europeu. As quase 12.000 organizações no atual registo voluntário de lobby da UE declaram um orçamento combinado anual de 1.800 milhões de euros.
Um entre muitos exemplos: a Amazon
Desde 2013, a Amazon aumentou significativamente o seu orçamento de lobby em Bruxelas, passando de 450.000 euros para pelo menos 2,75 milhões de euros. Os gastos atingiram o pico em 2021, com 3 milhões de euros. Em 2022, o montante foi um pouco menor, mas, mesmo assim, a Amazon, com 2,75 milhões de euros em despesas de lobby, ainda ocupava o 14º lugar entre todas as empresas individuais.
A empresa também expandiu suas atividades de lobby nos Estados membros da UE. Nos seus dois maiores mercados, Alemanha e França, a Amazon gastou um total de 3,6 milhões de euros em 2022, sendo 2,41 milhões de euros apenas em Berlim. Isto é mais do que a empresa afirma ter gasto ao nível da União, indicando que a atividade de lobby nos estados membros é de alta prioridade.
Campanha eleitoraleira
Subsiste o risco de esta nova corrida dos partidos não passar de uma ação da longuíssima campanha eleitoral em que todos já se empenharam a mais de três meses das eleições antecipadas. Uma medida eleitoralista que, julga-se, terá impacto junto do eleitorado.
Na melhor das hipóteses, será um assunto de segunda ou terceira importância na próxima legislatura e a regulamentação avançará, se e quando avançar, num ritmo lento. Talvez não tão lento como em Itália, que em quatro décadas viu serem apresentadas e rejeitadas mais de 50 propostas, mas lenta na escala portuguesa.
Dever-se-á esta lentidão ao facto de os políticos beneficiarem mais da opacidade e impunidade do que da integridade e transparência? Ou à tradicional morosidade das decisões públicas em Portugal?
Há um indicador de confiança: decorreram quatro anos entre a aprovação, em 2019 no Parlamento, da Entidade para a Transparência, e o acordo que finalmente estabeleceu um local para a sua instalação em Coimbra (julho de 2023), nos últimos meses foram contratadas pessoas mas neste momento ninguém sabe quando iniciará funções.
Consolação? O OE 2024, hoje aprovado, prevê uma 1,5 milhões de euros para a Entidade para a Transparência.
Fontes: Wikipedia, Parlamento Europeu, Lobby Control, Transparency international, European Trade Union Institute, The Economist, Público, Renascença, FFMS
🌍 🤖 BCE: notícias do fim do trabalho humano às mãos das inteligências artificiais são bastante exageradas
Um estudo do Banco Central Europeu investigou a relação entre as tecnologias habilitadas pela Inteligência Artificial (IA) e a proporção de emprego em 16 países europeus, concluindo que as alegações de que a IA estaria a substituir empregos humanos podem ser fortemente exageradas.
Principais conclusões do estudo:
Contrariamente à crença popular, o uso da IA esteve associado a um ligeiro aumento nas taxas de emprego
Esta tendência manteve-se mesmo em empregos considerados altamente suscetíveis à automação por IA
As correlações observadas mostraram-se especialmente benéficas para ocupações de alta qualificação e trabalhadores jovens
Enquanto, de uma forma geral, os salários não foram afetados negativamente pela IA, empregos altamente expostos à IA registaram algum decréscimo salarial
O estudo foi realizado entre 2011 e 2019, antes da implementação de ferramentas de IA avançadas como o ChatGPT no mercado de trabalho
Economias importantes como Alemanha, França e Reino Unido estiveram incluídas no estudo
Fonte: BCE
🇵🇹😯 Idade da reforma aumenta em 2025: mais 3 meses
A idade da reforma em Portugal sofrerá um aumento em 2025, passando para os 66 anos e sete meses, três meses mais do que o valor praticado em 2024. Este acréscimo baseia-se nos dados provisórios do Instituto Nacional de Estatística (INE), que revelaram um aumento da esperança média de vida aos 65 anos.
Aumento da idade de reforma é reflexo da subida na esperança média de vida, apontando para implicações futuras na sustentabilidade do sistema de segurança social
Decisão de elevar a idade de reforma contraria a tendência de 2023, onde se registou uma redução devido ao impacto da pandemia de covid-19 na mortalidade da população idosa
Revisões dos valores da esperança média de vida e da idade de reforma dependem também das estatísticas revistas dos Censos 2021, podendo influenciar futuras políticas públicas e reformas estruturais no sistema de pensões
🇩🇪🌿 A transição verde não está nas mãos do Ocidente. E ainda bem
O chanceler alemão, Olaf Scholz, enfrenta um dilema ao comprometer-se com a transição para uma economia sem carbono sem poder especificar como irá financiá-la, dada a decisão do Tribunal Constitucional alemão que limita a capacidade de empréstimo do governo. Mark Blyth, professor de Economia Internacional, resume o embate político subjacente nesta questão.
Olaf Scholz e o governo alemão estão comprometidos com a transição ecológica, mas as capacidades financeiras estão restringidas pelo “travão da dívida” alemã e pelo bloqueio do Tribunal Constitucional a métodos alternativos de financiamento
A política fiscal pro-cíclica, que agrava crises, revela uma tensão entre a necessidade de investimento ambiental e as restrições orçamentais estabelecidas
A estratégia de mascarar o endividamento mediante “veículos fora do balanço” foi vetada, expondo o desafio de financiar a transição sem violar regras fiscais domésticas e da UE
A discussão aponta para a necessidade de reavaliar a rigidez das regras fiscais em face dos investimentos urgentes para combater as alterações climáticas, tendo em conta que tais investimentos muitas vezes não apresentam modelos lucrativos óbvios como na construção de barreiras marítimas
Blyth sugere que aderir estritamente a essas regras fiscais pode enfraquecer a democracia ao dar primazia às regras sobre a governança eleita e a vontade popular
Fonte: Programmable Mutter
🇦🇪😓 COP28: mais tensões políticas que desafios climáticos
Com o ano mais quente já registado a chegar ao fim, mais de 165 chefes de estado e de governo reúnem-se no Dubai para discutir ações contra as alterações climáticas. Contudo, a tensão causada por conflitos armados na Europa e no Médio Oriente, juntamente com dificuldades económicas globais, introduzem obstáculos significativos a um acordo eficaz. A credibilidade do anfitrião da COP28 gera controvérsia, com Sultan Al Jaber a ser criticado por alegados conflitos de interesse e possíveis duplos padrões em relação à utilização de combustíveis fósseis.
A COP28 é vista por Al Jaber como a mais crucial desde o Acordo de Paris em 2015, onde se estabeleceu o objetivo de limitar o aumento da temperatura global a 2°C, idealmente a 1,5°C, comparativamente aos níveis pré-industriais. Vê a sua posição como uma oportunidade para envolver a indústria dos combustíveis fósseis na redução de emissões, com expectativa de um importante anúncio de compromisso por parte do setor para eliminar as emissões de metano.
Um avanço diplomático positivo é a melhoria nas relações entre os Estados Unidos e a China, que concordaram em ampliar suas promessas de redução de emissões e apoiar um objetivo para triplicar a energia renovável.
A reter
A COP28 no Dubai reúne líderes globais para debater soluções para as alterações climáticas em meio a disputas geopolíticas
Sultan Al Jaber, presidente da COP28, enfrenta críticas por possível conflito de interesse entre seu papel na cimeira e na indústria de petróleo
O encontro é considerado um momento decisivo, semelhante à COP21 em Paris, com expectativas de compromissos significativos contra emissões de gases como o metano
Melhoria nas relações diplomáticas entre EUA e China traz esperança para acordos em cortes de emissões e impulso em energia renovável
A COP28 marca a primeira avaliação global desde o Acordo de Paris, com países devendo enfrentar a insuficiência das medidas atuais para evitar uma catástrofe climática
Pessoas e organizações
Sultan Al Jaber: Presidente da COP28 e líder da Abu Dhabi National Oil Co.
Abu Dhabi National Oil Co.: Empresa estatal de petróleo dos Emirados Árabes Unidos
Participantes do COP28: Mais de 165 chefes de estado e de governo reunidos para discutir soluções climáticas
Fonte: Bloomberg
CURTAS
SINES. O projeto de hidrogénio H2Sines.RDAM foi selecionado como uma das iniciativas transfronteiriças de energia elegíveis para apoio financeiro da UE, alinhado com o Green Deal, confirmou uma fonte oficial da Comissão Europeia. • Euractiv
VARSÓVIA. Os principais partidos da Polónia, PiS e PO, manifestaram oposição a mudanças no tratado da UE. Donald Tusk advertiu que as propostas refletem um “entusiasmo euro-naïf” semelhante ao que desencadeou o Brexit. É uma reviravolta para Tusk e o PO • Notes from Poland
LONDRES. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) reviu em baixa a previsão de crescimento do Reino Unido para 0,7% em 2024, antevendo o segundo crescimento mais lento entre as economias avançadas do G7. • The London Economic
STATUS
JOÃO LEÃO recebeu aprovação da comissão de Controlo Orçamental do Parlamento Europeu para integrar o Tribunal de Contas Europeu. Falta a confirmação final na sessão plenária do Parlamento que ocorrerá em dezembro. • TSF
DORA LUCAS NETO é a nova juíza do Tribunal Constitucional, substituindo Maria da Assunção Raimundo. A eleição, por voto secreto, cumpriu a maioria de dois terços necessária no Parlamento. • Público
ETIQUETAS
Uma exposição
O Tesouro dos Reis. Obras-primas do Terra Sancta Museum, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, até 23 de fevereiro 2024: “Cidade central para as três religiões monoteístas, Jerusalém tinha uma importância simbólica que a tornava num “Teatro do Mundo”, um palco onde muitos monarcas europeus exibiam as suas ofertas e projetavam devoção e poder. Foram muitas as doações a igrejas da Terra Santa por parte de monarcas europeus, como Filipe II de Espanha, Luís XIV de França, João V de Portugal, Carlos VII de Nápoles ou Maria Teresa de Áustria.”
Uma peça
Sonho de uma Noite de Verão, Teatro da Trindade, Lisboa, até 28 de janeiro de 2024: “A conhecida comédia de William Shakespeare é aqui apresentada numa versão musical encenada por Diogo Infante”
Um livro
A Hora dos Lobos — A Vida dos Alemães no Rescaldo do III Reich, de Harald Jähner, tradução de Mónia Filipe, Editora Dom Quixote, 2023: “Escombros e sexo: o mundo às avessas na Alemanha do pós-guerra (...) O ano tem sido marcado por várias obras de investigação histórica de grande fulgor. A Hora dos Lobos, de Harald Jähner, é disso exemplo: é um retrato esmagador da Alemanha do pós-guerra.”