[1.4] Wilders com tremenda dificuldade em formar o governo dos sonhos da extrema-direita
A extrema-direita exultou com a vitória inesperada do PVV na Holanda. Mas Geert Wilders enfrenta a quase impossível formação do governo após Dilan Yesilgöz, do VVD (centro-direita), recusar entrar
As ondas de choque das eleições nos Países Baixos vão agitar as águas europeias por muitos meses. Desde logo porque as conversações para a formação de um governo poderão arrastar-se e Geert Wilders pode não ser primeiro ministro, o que prolongará a indefinição. Mas o que mais se teme é a contaminação das eleições europeias de junho próximo, com avanços dos partidos extremistas de direita que em primeiro lugar enfraquecem a posição da UE na frente ucraniana (e nos alargamentos em perspetiva) e num prazo maior colocam em risco a própria União — e a democracia nos países-membros.
2024 não vai ser nada fácil.
Mas para contrabalançar hoje estreamos uma nova secção em VamoLáVer: as etiquetas, pela Ana Roque, um trio de sugestões — filme, livro e concerto — a fechar a edição.
ANÁLISE
🇳🇱😲 É muito difícil para o extremista Wilders formar governo nos Países Baixos
No que poderá ser classificado como uma reviravolta eleitoral sem precedentes nos Países Baixos, a ascensão meteórica do partido de extrema-direita PVV, encabeçado por Geert Wilders, conhecido pela sua postura islamofóbica, culminou na conquista da posição de maior partido no parlamento.
Superando todas as previsões, o PVV conquistou 37 dos 150 assentos disponíveis. A vitória foi festejada pelas vozes da extrema-direita na Europa, de Marine Le Pen a André Ventura passando por Viktor Orbán e Matteo Salvini.
Contudo, passadas 48 horas começa a afigurar-se muito difícil, se não mesmo improvável, que Wilders consiga passar um governo no parlamento holandês. Hoje o VVD, o partido de centro-direita que era o mais expressivo do antigo governo holandês, anunciou a sua decisão de não integrar o futuro gabinete. A líder do VVD, Dilan Yesilgöz, declarou que o seu partido precisa assumir um papel diferente depois de ter perdido 10 assentos parlamentares. Poderá apoiar uma coligação minoritária, mas do exterior, sem se envolver.
Wilders expressou uma profunda deceção com a decisão do VVD, criticando a falta de negociações por parte do partido e sugerindo que isso contraria a vontade dos eleitores do VVD. Para alcançar a maioria, Wilders necessita agora do apoio dos recém-chegados ao parlamento: o Novo Contrato Social, criado em Agosto pelo delator e membro do parlamento Pieter Omtzigt, e o Movimento dos Cidadãos Agricultores, BBB, que possui uma forte representação no senado holandês.
A escolha do VVD de se ausentar do gabinete coloca uma pressão adicional em Omtzigt, já que com 20 assentos, ele lidera um dos quatro partidos com maior representação ainda disponíveis para formar uma coligação. Pieter Omtzigt, apesar de ter descartado inicialmente uma coligação com Wilders, parece agora mais receptivo a negociações.
Pontos significativos
Partido PVV de Geert Wilders torna-se a maior força no parlamento holandês com aproximadamente 23% dos votos
A campanha do VVD, centrada em temas da extrema-direita, contribuiu para a validação do discurso de Wilders
A possibilidade de uma coligação governamental liderada pelo PVV é incerta, com a esquerda e alguns centristas relutantes em aliarem-se a Wilders
A estratégia de aproximação da direita tradicional aos ideais da extrema-direita provou ser contraproducente na Holanda
Na campanha Wilders minimizou a retórica eurocética
A ascensão de Wilders indica uma tendência alarmante na política holandesa em direção a discursos populistas e possivelmente de ódio
O BBB reforça a presença de forças populistas na política dos Países Baixos, consolidando sua influência com 7 assentos parlamentares
Organizações islâmicas e marroquinas expressaram preocupação com a vitória de Wilders. Os muçulmanos representam cerca de 5% da população da Holanda
No ano passado, o total de imigrantes na Holanda mais do que duplicou, ultrapassando os 220.000, aumento que se deve em parte aos refugiados que deixaram a Ucrânia após o país ser invadido pela Rússia.
Nomes a reter
Geert Wilders: Líder do Partido da Liberdade, vencedor da eleição, conhecido pelo seu discurso islamofóbico. Frequentemente comparado a Donald Trump pela sua retórica inflamada e pelo uso das redes sociais, prometeu “fechar as fronteiras” dos Países Baixos
Dilan Yesilgöz: Líder do VVD, partido liberal-conservador, define um novo rumo para o partido após a derrota
Pieter Omtzigt: Membro do parlamento e fundador do partido Novo Contrato Social, de centro, potencial parceiro de coligação para Wilders e considerado um desafiante do sistema político estabelecido.
BBB (Movimento dos Cidadãos Agricultores): Partido emergente com forte representação no senado, possível aliado para Wilders
Frans Timmermans: Líder da aliança de esquerda PvdA-GroenLinks e veterano da União Europeia, vai liderar a oposição
Contexto
Os eleitores holandeses foram às urnas após a dissolução do governo de coligação de centro-direita, em consequência de disputas sobre a política migratória no verão. A renúncia de Mark Rutte à sua carreira política deixou o campo aberto para a concorrência política. Emergiram esperanças de um novo começo com líderes recém-apresentados pelos partidos tradicionais, e desafios ao status quo por parte do partido NSC, de Pieter Omtzigt, e pelo partido agrário BBB, ambos de centro. Contrariando as expectativas de um isolamento, o PVV de Geert Wilders, relegado ao papel de oposição durante 17 anos, surpreendeu com um regresso inesperado.
Uma oportunidade dada pela liderança liberal-conservadora do VVD, sob o comando de Dilan Yeşilgöz, contribuiu para o avanço de Wilders. A campanha do VVD focada em temas como imigração e segurança, assim como a possibilidade aberta por Yeşilgöz de coligar-se com o PVV – algo até então impensável – revitalizou a posição de Wilders no cenário político. A atenuação de seu discurso anti-islão durante a campanha ajudou a torná-lo uma figura politicamente viável na percepção dos eleitores.
Os eleitores parecem ter dado a lição de que a normalização e imitação do discurso da extrema-direita não o derrota, mas antes o reforça. Esta estratégia levou à preferência do eleitorado pela versão original e não pela cópia, marcando a Holanda como mais um ponto no mapa europeu onde a extrema-direita superou a direita tradicional.
Apesar de recente, o NCS chegou a liderar as sondagens numa altura em que parecia que o eleitorado holandês se inclinava para o centro, conforme demos conta precisamente no primeiro número de testes desta newsletter (aqui).
Fontes: BBC (1, 2), European Correspondent, Globo
A UE que se prepare para a pancada. Reações de medo e pavor à vitória de Geert Wilders, tida por boa para Putin
As reações não extremistas ao resultado das eleições nos Países Baixos vieram de vários quadrantes, dos moderados aos oponentes. Uma rápida resenha de articulistas de diferentes geografias da Europa acentua o medo da contaminação, especialmente quando estamos a poucos meses das eleições europeias — e quais os antídotos para manter a coesão. Em segundo lugar nas preocupações a relação com a Rússia, sendo que Wilders é visto como “amigo” de Putin. Más notícias para a Ucrânia.
Alemanha. Resultados prevêem que partidos populistas de direita e eurocéticos podem predominar no Parlamento Europeu. A UE deve apostar em reformas e decisões mais transparentes, favorecendo votações por maioria ao invés do princípio de unanimidade. • tagesschau.de
Suécia. A possível ascensão de Geert Wilders a primeiro-ministro poderia alterar significativamente o equilíbrio do Conselho Europeu, apesar da ausência de sinais que indiquem uma saída dos Países Baixos da UE, similar ao Brexit. • Sydsvenskan
Letónia. A vitória de Geert Wilders nos Países Baixos preocupa devido ao seu discurso anti-imigração e anti-Islão, que ecoa entre a direita letã e ressoa numa postura hostil à UE, oposição ao apoio à Ucrânia e apoio tácito a Putin. A situação transcende figuras políticas, indicando uma crise do sistema político e possível queda da ordem mundial estabelecida. • Neatkarīgā
Bélgica. A vitória eleitoral de Geert Wilders coloca em destaque o dilema democrático sobre excluir ou não o partido mais votado, apesar de sua retórica contrária às bases pluralistas da sociedade e seu extremismo anti-establishment. • De Standaard
Polónia. A relação de Geert Wilders com a Rússia distingue-o da extrema direita polaca, apesar da euforia que a sua ascensão despertou entre líderes europeus como Le Pen e Salvini. O seu apoio a Putin e críticas à ajuda à Ucrânia contrastam com a postura da extrema direita polaca, preocupada com o seu desejo de limitar a imigração polaca. • Krytyka Polityczna
Roménia. A possibilidade de um parlamento ou governo conservador nos Países Baixos pode resultar no veto à entrada da Bulgária no espaço Schengen, refletindo a posição contrária de partidos como o VVD de Rutte e o PVV de Wilders à expansão Schengen e a imigração. • Republica
Ucrânia. A vitória eleitoral de Geert Wilders nos Países Baixos, com uma postura populista, anti-europeia e anti-ucraniana, preocupa sobre a continuação do apoio holandês a Ucrânia, segundo o cientista político Viktor Andrusiv. • Gazeta
🇵🇹🚑 Médicos privados e do setor social vão passar atestados médicos
Com objetivo de descomplicar o Sistema Nacional de Saúde e melhorar o serviço aos cidadãos, o ministro da Saúde, Manuel Pizarro, anunciou que os atestados médicos passarão a ser emitidos também pelos serviços de urgência e médicos de clínicas privadas ou do setor social. A medida foi aprovada em Conselho de Ministros e permite que os doentes não dependam exclusivamente dos médicos de família para obter um certificado de incapacidade temporária.
O novo diploma visa simplificar o procedimento de emissão de certificados de incapacidade, em resposta à sobrecarga nos médicos de família e às dificuldades enfrentadas pelas juntas médicas em dar resposta atempada. A regulamentação inclui um sistema de fiscalização para evitar a emissão inadequada de atestados e estipula que os oncologistas podem agora atribuir um atestado de incapacidade temporária por um período de cinco anos a doentes oncológicos, com possibilidade de renovação dentro do prazo legal.
Pontos essenciais:
Os atestados médicos poderão ser emitidos por serviços de urgência e médicos de clínicas privadas ou sociais
Os oncologistas poderão prescrever atestados de incapacidade temporária de até cinco anos para doentes oncológicos.
Estão previstos mecanismos de fiscalização para assegurar a correta emissão de atestados.
CURTAS
AÇORES – Após o chumbo do Orçamento 2024, José Manuel Bolieiro anunciou a possibilidade de novas eleições, caso uma segunda proposta seja rejeitada. Marcelo Rebelo de Sousa receberá os partidos açorianos a 30 de novembro. • RTP
YAOUNDÉ – O Camarões recebeu a primeira remessa da vacina contra malária Mosquirix da GSK Plc. É o primeiro país africano a obtê-la após os programas piloto no Gana, Quénia e Malaui. • Reuters
UE - BNP Paribas, o maior banco da zona euro, anunciou a descontinuação do financiamento a projetos de carvão metalúrgico, em linha com o seu compromisso 'Net Zero'. Pretende reduzir a exposição ao crédito em petróleo e gás em 80% e 30% até 2030, respetivamente, e cessar o financiamento a carvão térmico na Europa e países da OCDE até 2030 e globalmente até 2040. • Reuters
LUANDA - Angola desmente intenções de abandonar a OPEC+, apesar de disputas sobre quotas de produção que levaram ao adiamento da reunião do grupo para 30 de novembro, a qual deveria definir os limites de produção para 2024. • Bloomberg
LISBOA - O primeiro-ministro António Costa e o autarca Carlos Moedas inauguraram uma nova residência universitária em Lisboa, parte de um investimento de 516 milhões de euros visando alcançar mais de 26 mil camas em residências estudantis. O plano é atingir 60% de jovens no ensino superior até 2030. • TSF
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Um filme
Master Gardener - O Mestre Jardineiro (Paul Schrader , 2022, Thriller): “Paul Schrader dá-nos uma dramaturgia enxuta, sem efeitos de retórica”, diz Luís Miguel Oliveira
Um concerto
The Rhythm Notes Quartet “Jazz & Tap”, 30.11.2023, 21:00, Teatro da Comuna, Lisboa. Jazz e sapateado fazem no mínimo uma dupla curiosa, cuja origem histórica aparece interligada. Jazz.pt
Um livro
Alguém falou sobre nós, Irene Vallejo, Bertrand Editora, 2023: “Os livros relembram-nos de que somos seres muito peculiares. Porque é que encontramos tanto prazer na exploração de mundos imaginários?”