[1.112] Novas medidas no OE comprometem cumprimento das regras europeias
Muito esticada pelas medidas, a despesa pública líquida deverá ultrapassar o crescimento potencial da economia, deixando Portugal sem margem de manobra no cumprimento com Bruxelas
Nesta edição
As novas regras orçamentais da União Europeia condicionam a despesa. E o orçamento português já está muito esticado pelas novas medidas, levando o Conselho das Finanças Públicas a emitir um alerta
Eleições em Brandemburgo: AfD à beira da vitória (mais uma, Scholz em cada vez piores lençóis, e com ele a Alemanha, e com a Alemanha a União, e com a União a Europa)
UE concede empréstimo de 35 mil milhões de euros à Ucrânia
Ataque a dispositivos do Hezbollah expõe vulnerabilidades nas cadeias de abastecimento globais
Governo promete reduzir burocracia nos apoios às vítimas dos incêndios
E o conjunto de curtas, destacando-se que os coordenadores do projeto-piloto da semana de quatro dias defenderam no Parlamento a implementação deste modelo no Sistema Nacional de Saúde
A fechar a edição, uma opinião do editor: Harris vs Trump. Demasiado empatado para arriscar vaticínios? Eu arrisco. E justifico.
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ATUALIDADE
📊💶 Novas medidas no OE ultrapassam crescimento e comprometem observância das regras europeias
A notícia - O Conselho das Finanças Públicas (CFP) emitiu um alerta sobre os desafios que Portugal enfrentará para cumprir as novas regras orçamentais europeias. Mesmo sem novas medidas, a variação da despesa pública líquida deverá ultrapassar o crescimento potencial da economia portuguesa nos próximos anos. Esta situação limita significativamente a margem para a adoção de novas medidas nos futuros Orçamentos do Estado (OE) sem garantir compensações.
As novas regras orçamentais da União Europeia, em vigor desde este ano, introduzem novos limites ao que os governos podem fazer nos seus orçamentos. O CFP projeta que a taxa de crescimento média da despesa líquida entre 2025 e 2028 será de 4,2%, superior ao crescimento potencial nominal previsto de 3,6%.
Impacto do IRS Jovem - O CFP alerta que a implementação do IRS Jovem, sem medidas compensatórias, poderia aumentar a variação da despesa líquida para 7% em 2025 e a taxa de crescimento médio para 4,4% no período 2025-2028. Esta medida também poderia transformar o excedente orçamental projetado para 2025 num défice em 2026.
Projeções económicas - O CFP reviu em alta as projeções de crescimento económico para 2025, de 1,9% para 2,4%, principalmente devido à aceleração esperada na execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Contudo, a entidade adverte que o fim do PRR em 2026 representa um desafio para a política económica e orçamental nos anos seguintes.
Dívida pública - As projeções indicam uma continuação da tendência de redução significativa do rácio da dívida pública no PIB. Sem o IRS Jovem, espera-se que a dívida pública diminua de 92,4% do PIB este ano para 78,3% em 2028. Com a implementação do IRS Jovem, a redução seria mais moderada, atingindo 79,4% do PIB em 2028.
Desafios pós-PRR - O CFP alerta para o risco de uma desaceleração económica após o término do PRR em 2026. No entanto, sugere que a redução acentuada do rácio da dívida pública poderá permitir ao país manter ou até reforçar o investimento público produtivo com financiamento nacional após 2027.
Fonte: publico.pt
Relacionada
🇪🇺 A Comissão Europeia avalia pedidos de adiamento para a entrega do plano orçamental estrutural de médio prazo. Vinte Estados-membros, incluindo Portugal, solicitaram a extensão do prazo para outubro, enquanto cinco países pediram um adiamento ainda maior. A Comissão está "aberta a debater e acordar com os Estados-membros uma extensão por um período razoável de tempo", analisando cada caso individualmente. As novas regras de governação económica exigem que cada país submeta um plano de quatro ou cinco anos, incluindo compromissos orçamentais, reformas e investimentos. • expresso.pt
🗳️🇩🇪 Eleições em Brandemburgo: AfD à beira da vitória
A notícia - As eleições regionais em Brandemburgo, na Alemanha, no próximo domingo, podem resultar na primeira derrota do Partido Social-Democrata (SPD) do Chanceler Olaf Scholz neste estado desde a reunificação em 1990. As sondagens mais recentes da ZDF mostram o SPD em segundo lugar com 27% dos votos, praticamente empatado com o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), que lidera com 28%. Esta situação reflete a crescente radicalização da AfD e a adoção de políticas migratórias mais rígidas por outros partidos.
Radicalização da AfD - Face à perda do seu diferencial em políticas migratórias, a AfD tem-se radicalizado ainda mais. Lena Kotré, candidata da AfD, distribuiu "kubotans" (pequenas armas de autodefesa) como brindes de campanha, sugerindo que os cidadãos precisam de se defender contra imigrantes. Hans-Christoph Berndt, candidato principal da AfD, apelou ao "fim do estado partidário", o que alguns interpretam como um ataque à ordem democrática.
Políticas migratórias mais duras - Partidos tradicionais, incluindo a CDU e até mesmo os Verdes, têm adotado posições mais rígidas em relação à imigração. O líder da CDU, Friedrich Merz, pediu a suspensão da aceitação de afegãos e sírios, enquanto a Ministra do Interior, Nancy Faeser (SPD), permitiu deportações para o Afeganistão. A AfD respondeu propondo medidas ainda mais extremas, como a retirada da nacionalidade a imigrantes naturalizados em certas circunstâncias.
Impacto na popularidade de Scholz - O baixo desempenho do SPD em Brandemburgo é atribuído à impopularidade do governo federal de Scholz. O primeiro-ministro de Brandemburgo, Dietmar Woidke (SPD), optou por não incluir Scholz na sua campanha, apostando na sua própria popularidade local.
Possível vitória histórica da AfD - Uma vitória da AfD em Brandemburgo marcaria a sua segunda vitória eleitoral estadual num mês, sinalizando um crescimento significativo do partido de extrema-direita na política alemã.
Aprofundar: zeit.de, euractiv.com, dw.com
💶🇺🇦 UE concede empréstimo de 35 mil milhões de euros à Ucrânia
A notícia - A União Europeia anunciou um empréstimo de até 35 mil milhões de euros (cerca de 39 mil milhões de dólares) à Ucrânia, garantido pelos lucros extraordinários provenientes de ativos russos congelados. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez o anúncio durante uma visita a Kiev, afirmando que o dinheiro irá diretamente para o orçamento ucraniano. Esta medida surge após o adiamento de um plano do G7 para utilizar ativos russos na angariação de fundos para a Ucrânia.
Von der Leyen afirmou que este é uma grande passo em frente, sublinhando a necessidade de fazer a Rússia pagar pela destruição causada e reconhecendo as enormes necessidades financeiras criadas pela guerra.
O plano original do G7 previa a utilização de 50 mil milhões de dólares em ativos russos congelados, com contribuições proporcionais dos Estados Unidos, da União Europeia e de outros países. No entanto, o pacote completo ainda não se concretizou.
Quase 300 mil milhões de dólares em ativos russos congelados estão atualmente retidos na Europa, constituindo a maior parte dos fundos disponíveis para este tipo de iniciativa.
Fonte: washingtonpost.com
📱💣 Ataque a dispositivos do Hezbollah expõe vulnerabilidades nas cadeias de abastecimento
A notícia - Um ataque letal a pagers e walkie-talkies de marcas asiáticas utilizados pelo Hezbollah resultou em 37 mortos e cerca de 3.000 feridos no Líbano. Este incidente revelou as fragilidades nas cadeias de abastecimento de tecnologias mais antigas, onde a contrafação, os excedentes de inventário e os complexos acordos de fabrico por contrato podem dificultar a identificação da origem dos produtos. As autoridades libanesas determinaram que os explosivos foram implantados nos dispositivos antes de chegarem ao país.
As empresas envolvidas negam responsabilidade. A Gold Apollo, que licenciou a sua marca à empresa húngara BAC, e a japonesa Icom afirmaram que os componentes mortíferos não foram fabricados nas suas instalações. O Ministro da Economia de Taiwan, Kuo Jyh-huei, também declarou que os componentes dos pagers não foram produzidos em Taiwan.
A contrafação é um problema significativo. Mais de 7% das empresas japonesas reportaram perdas devido a produtos contrafeitos em 2020, com cerca de um terço dos casos ligados à China. David Fincher, tecnólogo e consultor baseado na China, afirma que a contrafação é prevalente, especialmente em grandes centros de fabrico como a China, onde componentes falsos podem ser facilmente produzidos.
A disponibilidade generalizada de produtos Icom é preocupante. Verificações da Reuters revelaram que existem dezenas de lojas a vender walkie-talkies da marca Icom em plataformas de comércio eletrónico chinesas, incluindo o modelo IC-V82 descontinuado há uma década. Estes produtos também estão disponíveis no Vietname, indicando uma ampla disponibilidade de tais dispositivos.
Aprofundar:
Hack of Hezbollah devices exposes dark corners of Asia supply chains
Pagers attack brings to life long-feared supply chain threat
A New Era in Sabotage: Turning Ordinary Devices Into Grenades, on a Mass Scale
🔥🏠 Governo promete reduzir burocracia nos apoios às vítimas dos incêndios
A notícia - O ministro Adjunto e da Coesão Territorial, Manuel Castro Almeida, afirmou que o Governo irá minimizar a burocracia na cedência de apoios às populações e empresas afetadas pelos recentes incêndios em Portugal. Em entrevista à RTP, o ministro reconheceu que a burocracia pode ser o maior obstáculo neste processo, mas garantiu que será limitada ao mínimo indispensável para evitar abusos e fraudes. Castro Almeida destacou a importância de agir rapidamente para ajudar aqueles que correm risco de sobrevivência, contando com o apoio dos autarcas locais.
O apoio do Governo será prioritário para casas de primeira habitação, com uma percentagem de até 85% do valor. O ministro explicou que o levantamento dos danos ainda está em curso e que na próxima semana deverá estar quase concluído, permitindo ao Governo decidir quais as atividades a apoiar e com que volume financeiro.
A investigação sobre incêndios foi abordada pelo ministro, que mencionou a criação de um grupo especializado de técnicos para investigar a origem dos fogos e verificar se há criminalidade organizada envolvida. Castro Almeida referiu que muitos autarcas expressaram preocupação com o surgimento simultâneo de numerosos incêndios durante a noite, sugerindo uma possível ação concertada.
As declarações do primeiro-ministro Luís Montenegro sobre possíveis interesses por trás dos incêndios foram defendidas pelo ministro. Castro Almeida afirmou que muitas pessoas partilham essa suspeita e que é obrigação do Governo investigar se há ou não fundamento para tais alegações, ressaltando que estas suspeitas já existiam na opinião pública antes das declarações de Montenegro.
Fonte: rtp.pt
Portugal
🏛️ O Bloco de Esquerda (BE) forçou a audição da ministra da Saúde no parlamento sobre a regulamentação da lei da morte medicamente assistida. Após um primeiro chumbo por PSD e Chega, o BE entregou um requerimento potestativo para garantir a realização obrigatória da audição. A bloquista Marisa Matias acusou PSD e Chega de tentarem "impedir o escrutínio do Governo" e "proteger" a ministra Ana Paula Martins. • rtp.pt
🏛️ O parlamento aprovou por unanimidade o levantamento da imunidade parlamentar de Fernando Medina, ex-ministro e ex-presidente da Câmara de Lisboa, no âmbito do processo Tutti Frutti. Medina é suspeito de prevaricação por um apoio de 200 mil euros à Associação Amigos do Rugby do Belém em 2017, alegando no entanto que "a fundamentação do Ministério Público assenta num erro grosseiro e inexplicável". O caso, que investiga favorecimentos a militantes do PS e PSD desde 2018, também envolve três deputados do PSD. • rr.sapo.pt
🇵🇹 O Parlamento aprovou uma proposta que autoriza o Governo a regular a citação e notificação eletrónica nos processos judiciais. O diploma, votado na generalidade, especialidade e final global, passou com os votos favoráveis do PSD, CDS-PP e IL, a abstenção do PS, Chega, Livre e PAN, e a oposição do BE e PCP. A medida estabelece que, por norma, a citação e notificação de pessoas coletivas será feita eletronicamente, acelerando assim os procedimentos judiciais. • cmjornal.pt
🏥 Os coordenadores do projeto-piloto da semana de quatro dias defenderam no Parlamento a implementação deste modelo no Sistema Nacional de Saúde. Pedro Gomes argumentou que esta abordagem poderia resolver problemas de absentismo e insatisfação laboral no SNS, enquanto Rita Fontinha sugeriu iniciar a experiência pelos centros de saúde. Ambos reconheceram a necessidade de contratar mais profissionais e adotar inteligência artificial para viabilizar o projeto. • publico.pt
🏦 O Tribunal da Concorrência confirmou hoje as coimas de 225 milhões de euros aplicadas pela Autoridade da Concorrência (AdC) a 11 bancos envolvidos no chamado "cartel da banca". A AdC celebrou a decisão como "uma vitória inequívoca para a defesa da concorrência em Portugal e na União Europeia", destacando a importância da aplicação rigorosa das regras de concorrência para preservar um mercado eficiente e dinâmico. Os bancos já anunciaram que vão interpor recurso junto do tribunal da relação competente. • 24.sapo.pt
🇵🇹 O Ministério Público garante que investigará todos os factos relacionados com o inquérito à TAP, incluindo possíveis crimes de fraude contra a Segurança Social. Esta afirmação surge após o Ministério do Trabalho ter questionado se a investigação abrangia a alegada fuga de contribuições por parte de David Neeleman, Humberto Pedrosa e David Pedrosa. Adicionalmente, o Governo informou que o Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social realizará uma ação para apurar responsabilidades quanto à tributação dos membros do Conselho de Administração da TAP. • 24.sapo.pt
🇵🇹 O PSD solicitou o adiamento da eleição de um juiz para o Tribunal Constitucional, originalmente agendada para 25 de outubro. A substituição visa preencher a vaga deixada por José Teles Pereira, cujo mandato de nove anos terminou. Esta eleição requer dois terços dos votos favoráveis, necessitando de um acordo entre PSD e PS. Inicialmente, estavam previstas duas substituições, mas o número foi reduzido para uma após Gonçalo de Almeida Ribeiro receber parecer negativo na sua candidatura ao Tribunal de Justiça da União Europeia. • publico.pt
🇵🇹 Bruno Gonçalves lança candidatura à liderança da Juventude Socialista este sábado. O eurodeputado de 27 anos propõe medidas como o retorno das propinas a zero euros no Ensino Superior e um subsídio cultural de 500 euros para jovens de 18 anos. A sua moção "Liberdade" defende ainda a alocação de 2% do PIB para construção de habitação pública e mecanismos de "via verde" para licenciamento de casas com rendas controladas. Este será o primeiro congresso da JS com múltiplas candidaturas em quase duas décadas. • expresso.pt
União Europeia
🇷🇺 A Rússia ameaça retaliar contra Portugal e outros países da UE pelo envio de helicópteros Kamov à Ucrânia. Maria Zakharova, porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, classificou esta ação como uma "medida hostil" e parte de uma "caminhada dócil e inconsciente" dos países europeus seguindo os EUA. As medidas de retaliação serão estudadas em sigilo, com Zakharova a afirmar: "Temos boa memória, apesar de não sermos vingativos". • cnnportugal.iol.pt
Economia
🇨🇳 O banco central da China mantém a taxa de juro de referência em 3,35% pelo terceiro mês consecutivo. Esta decisão, que corresponde às expectativas dos analistas, afeta o preço dos novos empréstimos e dos empréstimos a taxa variável. O indicador LPR, estabelecido em 2019, visa "baixar os custos dos empréstimos e apoiar a economia real", sendo calculado com base nas contribuições de diversos bancos. • rtp.pt
🇯🇵 O Banco do Japão mantém as taxas de juro de referência em 0,25%. Esta decisão unânime surge após um aumento em julho e considera a recuperação económica do país, apesar de algumas fragilidades. A inflação no Japão acelerou para 2,8% em agosto, enquanto o crescimento económico no segundo trimestre foi revisto em baixa para 0,7%. A manutenção das taxas pelo BoJ contrasta com a recente decisão da Reserva Federal dos EUA de reduzir as suas taxas. • rtp.pt
🏅 O preço do ouro atingiu um novo recorde histórico, chegando a 2.609,74 dólares por onça. Este aumento de 0,85% ocorreu após a decisão da Reserva Federal dos EUA de reduzir as taxas de juros em 0,5 pontos percentuais. O metal precioso superou assim o anterior máximo de 2.600,16 dólares, registado na semana passada logo após o anúncio das decisões de política monetária da Fed. • rtp.pt
🏠 O mercado imobiliário português recupera com força no segundo trimestre de 2024. O número de vendas de casas aumentou 10,4% e o valor transacionado subiu 14%, atingindo 7,8 mil milhões de euros. Os preços da habitação aceleraram, registando um aumento de 7,8% em comparação com o mesmo período do ano anterior, com as casas existentes a valorizarem 8,3%. Esta recuperação marca o fim de dois anos de quedas nas vendas, apesar da persistente subida dos preços. • publico.pt
ETIQUETAS
Um livro
Contos Completos. Autoria: Katherine Mansfield. Tradução de vários. Editora: Relógio D’Água, 2024. “Há contos perfeitos? Sim, os de Katherine Mansfield - As grandezas e misérias da vida burguesa e folgada de ontem e os fastos da velha boémia intelectual e artística não são os únicos temas de Mansfield. Assim, em 'A Casa de Bonecas', vemos dolorosamente tematizado o actualíssimo problema do bullying (em inglês e tudo, para parecer mais actual), quando as duas crianças de uma lavadeira são discriminadas numa escola ("Até a professora lhes reservava um tom de voz especial") em que "as filhas do juiz, as filhas do médico mais os filhos do lojista ou do leiteiro, eram forçadas a conviver" (p. 379), por não haver outra escola "no raio de vários quilómetros". Que pena tratar-se apenas do antiquado e canónico preconceito de 'classe' económica e social.” Mário Santos
Uma peça de teatro
Amédée ou Como Desembaraçar-se. Teatro São Luiz, Lisboa, até 29 de setembro 2024. Autor: Eugène Ionesco. Encenação: Ivo Alexandre. Atores: Anabela Faustino, Ivo Alexandre, João Ribeiro, Tiago da Câmara Pereira “No São Luiz, a peça de Ionesco para um casal e um morto - Amédée ou como Desembaraçar-se, nesta encenação que chega ao São Luiz, adopta uma das duas versões escritas por Ionesco – "uma versão mais económica", explica o encenador, "para companhias com menos dinheiro". Como a DOIS não foi contemplada nos últimos apoios bienais da Direcção-Geral das Artes (DGArtes), a escolha recaiu nessa alternativa. Porque se Amédée e Madeleine não saem de casa, Ionesco leva-os a receberem várias visitas que lançam o pânico no casal e os coloca sempre com cautelas tão excessivas que traem em permanência o seu insólito segredo. Aqui, há apenas duas visitas, um carteiro e um polícia (João Ribeiro e Tiago da Câmara Pereira), uma pequena amostra das intromissões do mundo exterior que Ionesco vai trazendo para confrontar o casal.” Gonçalo Frota
Um filme
Grand Tour. Realização: Miguel Gomes. Actores: Gonçalo Waddington, Crista Alfaiate, Cláudio da Silva, Lang Khê Tran, Jorge Andrade. “Grand Tour, de Miguel Gomes: da vida das marionetas - O amor como perseguição e fuga, em Grand Tour, não tem montagem paralela; nem campo-contracampo. Como nos filmes antigos, aqueles ainda sem saltos de compreensão e em que o last minute rescue era seguido do princípio ao fim primeiro do lado da vítima em apuros e depois, tudo de novo, do lado do herói salvador, também aqui temos de estar primeiro com as acções de Edward (Gonçalo Waddington), funcionário do Império Britânico e silhueta em fuga por Myanmar (antiga Birmânia), Vietname, Tailândia, Filipinas, Singapura, Japão e China. Só depois estaremos com Molly (Crista Alfaiate), que se anuncia por telegrama antes de iniciar as suas movimentações, antes de se aventurar pelo mesmo mapa da Ásia.” Vasco Câmara
Harris vs Trump. Demasiado empatado para arriscar vaticínios? Eu arrisco
A 45 dias da data decisiva das eleições presidenciais americanas os analistas garantem: está tudo empatado. E por isso o tom praticamente unânime é: nenhum arrisca um vaticínio e todos acentuam o dramatismo deste ano. Sem mais debates entre os candidatos (o debate dos vices é de interesse relativo e historicamente não impacta na formulação dos eleitores para o voto final), este mês e meio vai ser um tanto penoso para os media.
Melhor seria escrever: vai ser penoso para quem, nos media, se preocupa minimamente com o rigor. Porque para quem vive da confusão ou da espuma das sondagens, é um tempo maravilhoso. Cada evento de campanha é pretexto para uma saraivada de peças a medir se houve efeitos nas dezenas de estudos e nas suas inúmeras combinações.
Sobretudo fora dos EUA, confundem-se os resultados nacionais — a contagem dos votos somados de todos os Estados Unidos da América — com a eleição verdadeira, a do colégio eleitoral. E quando se tenta “descer” ao pormenor, o nível ruído dispara: em vez de uma comparação simples — 48% para Harris, 46% para Trump, nesta altura no voto global — temos as comparações nos sete estados cuja oscilação ditará o número final de votos no colégio eleitoral que dirá quem é o próximo presidente.
Mas e se — multiplicado por sete estados
Em vez de duas bolas no ar, o leitor tem subitamente sete bolas a captar a sua atenção. Os bons analistas desistem ao terceiro cenário — deixando as bolas cair. Tentam algo como “a Pensilvânia é que vai decidir tudo”. Os muito bons analistas só perdem o controlo sobre as bolas quando estas são quatro em movimento (“se vencer na Pensilvânia, aumenta a probabilidade de vencer na Georgia e a vitória nos dois estados garante os votos do colégio eleitoral”).
Para seguir as trajetórias combinadas dos sete estados oscilantes, só um modelo bastante complexo de inteligência artificial. Aí, só os analistas excecionais conseguem olhar para as sete bolas — para chegar à conclusão de que está tudo demasiado imprevisível e só no momento da verdade saberemos em que se concretizou a campanha.
Então é inútil todo esse tempo gasto em sondagens e na sua análise?
Longe disso. Sem falar do aspeto de entretenimento, que é um avassalador negócio de dezenas de milhões de euros dentro e fora dos EUA, dado o interesse e o dramatismo (real e ampliado) das presidenciais de 2024, as campanhas dos vários candidatos — há bastantes mais que Kamala Harris e Donald Trump, e nalguns estados o terceiro é importante para as contas finais e para a política estadual — usam-nas, entre outros instrumentos de tomada de decisão.
Aposto em Harris. Explico porquê
Um universo de dados o mais perfeito possível — e a perfeição neste caso é atingida por umas quatro ou cinco entidades, do New York Times a Nate Silver, passando pelo Washington Post — é muito útil. Sobretudo para quem tem um dom digamos artístico: o de associar as emoções corretas a cada curva de cada gráfico.
O que nos leva, finalmente, aqui. A 45 dias das eleições, aposto que Kamala Harris será a vencedora tanto no chamado voto popular como no colégio eleitoral. Não me surpreenderei, de resto, se nalguma destas duas contagens tivermos um resultado desviado dos números atualmente ponderados.
Porque arrisco esta aposta? Podia dizer simplesmente que é uma mistura com muito de wishful thinking e exercício de adivinhação. É um direito que me assiste. Mas não é só isso, nem é sobretudo isso.
É antes um pormenor da campanha. A candidata democrata conseguiu criar as condições para passar uma mensagem subliminar no debate televisivo: Trump não está apto.
A mensagem dispensa explicações, como ainda as deu a equipa editorial do New York Times quando a usou em julho numa forma mais extensa: Trump não está apto para liderar o país num segundo termo.
Não está apto por uma série infindável de razões e cada eleitor com dúvidas ou certezas pouco firmes terá a sua lista. Dispenso-me de as enunciar. Kamala Harris limitou-se a sorrir na televisão, com a benevolência que as pessoas educadas mostram perante os idosos que já não articulam 100% as frases (subliminar, escrevi eu?).
A mensagem cala fundo em todas as pessoas (todos os dias mais Republicanos dão publicamente a sua confiança a Harris). Independentemente do que possa pensar sobre as competências de Kamala Harris e das desconfianças do programa de governo dos Democratas, no dia do voto o eleitor não convertido confronta-se com a simplicidade binária: a dúvida (ela) ou a certeza (lá no fundo todos sabem que Trump não presta, por inúmeras razões, para ser O Presidente).
Esta questão central foi instilada por Kamala Harris no debate. Passou a estar lá, na consciência dos americanos — não só dos eleitores, mas de quase todos os americanos, à exceção do “exército” fiel a Trump mas do qual até se podem esperar deserções. O papel que o Partido Republicano reservara para Joe Biden, o do velhinho caquético imprestável, passou a ser desempenhado na perfeição por Donald Trump, que com grande garbo apareceu no debate sem estar preparado, deixou-se enredar na argumentação como um idoso a que já se notam sinais de decadência, com cada sorriso e movimento de olhos de Harris a acentuar essa dimensão — sempre subliminarmente, sem nunca ter de a tornar explícita.
Bastava criar o clima e dizer a frase: ele não está apto.
Este pormenor é do domínio da razão profunda, aquela que não aparece nas sondagens, com as suas questões imediatas. Assim, estou convicto que se nada de anormalmente significativo sair das campanhas, avolumar-se-ão os sinais de sensatez emitidos pelo Partido Republicano e a semente plantada por Kamala Harris naquela noite germinará, até brotar no dia das eleições.
Cá estarei para proverbialmente comer o teclado (não uso chapéu) se falhar a aposta.
Bom fim de semana.