[1.1] Sánchez empossado em Espanha: reconciliar Madrid com a Catalunha (e a União)?
Crispação versus diálogo e perdão? O PSOE escolheu a via mais difícil. A pacificação pode ser temporária e tem muitos interessados na sua evolução, de Lisboa a Bruxelas, Sobretudo em Bruxelas...
Ano 1, número 1: estás a ler o primeiro número de VamoLáVer, depois de quatro números zero, de testes. Hoje com um assunto em análise: o novo governo empossado em Espanha e o que a sua difícil negociação com o separatismo catalão pode trazer à União.
No arranque, a novidade da ilustração: o fotógrafo e artista visual Mário Pires (Instalink no rodapé) tem feito um trabalho muito interessante com os modelos de AI geradores de imagens e aceitou o meu repto para criar um “boneco” que, no espírito de síntese desta newsletter, ilustre um assunto.
ANÁLISE
Pedro Sánchez empossado em Espanha: reconciliar Madrid com a Catalunha (e a União)?
"Usted es un falso moderado, un falso ganador y un real perdedor", iniciou Pedro Sánchez a sua réplica a Alberto Núñez Feijóo — o primeiro debate da sessão de investidura de Sánchez como primeiro ministro de Espanha teve este tom de violência verbal. Num discurso parlamentar de tal magnitude o início é fundamental: se se comete um erro na primeira frase, as coisas vão piorar.
Feijóo foi firme, Santiago Abascal disparatado e Sánchez colocou-os no mesmo saco para o resto da legislatura, argumentando que Feijóo se entregou nas mãos do Vox e, por isso, não é presidente do governo, pois o PP [PPE] é o único partido disposto a negociar com o Vox [ECR].
O tom duríssimo vai continuar. Feijóo e Sánchez são as pontas das duas lanças que dividem o reino de Espanha desde há séculos e que hoje se resumem à guerra entre Madrid e a Catalunha. A separação da Catalunha parece inevitável a prazo — e é isso que tem a União Europeia presa às notícias vindas da Península Ibérica (ler mais abaixo).
Sánchez não tinha alternativa: ou entregava Espanha à direita radical da coligação entre o moderado PP (136 deputados) e o extremista Vox (33 deputados), ou optava pelos avanços sociais e económicos baseados numa solução democrática e pacífica para a crise provocada pelo governo de Mariano Rajoy em 2017, mesmo que isso obrigue a uma amnistia para os envolvidos na tentativa de autodeterminação da Catalunha nessa época.
Crispação versus diálogo e perdão. O PSOE [S&D] escolheu a via politicamente mais difícil: reconciliar Madrid com a Catalunha.
Difícil dada a natureza da tarefa numa Espanha que nunca conseguiu passar o rolo compressor sobre as tensões autonómicas, nem com reinados ditatoriais ou democráticos, nem com a ditadura franquista da qual uma minoria nas ruas tem saudade.
Mas difícil também numa questão prática mais comezinha: a salada ideológica que dá corpo e suporte à governação, com partidos que em termos de filiação europeia vão dos liberais à esquerda dura (equivaleria em Portugal a um governo PS/BE apoiado por IL, Livre, PAN e PCP).
Números
179 deputados dão ao governo do PSOE com o Sumar a maioria no Parlamento (350 assentos) com uma margem estreita
8 partidos envolvidos na governação: 2 na coligação, PSOE e Sumar [Verdes/Left] na coligação do governo chefiado por Pedro Sánchez e com Yolanda Díaz como número 2, e 6 no apoio parlamentar, Coligação Canária [EDP], Bloco Nacionalista Galego [Verdes], Juntos pela Catalunha [sem filiação], Esquerda Republicana da Catalunha [Verdes], EH Bildu [Left] e Partido Nacionalista Basco [RE]
80% é a percentagem de catalães que pedia a amnistia, amnistia essa que por sua vez tem uma maioria absoluta de representantes no Parlamento
Esboço da governação
O ponto nevrálgico desta investidura é a lei da amnistia, combatida por uma minoria com maior preponderância na comunicação e muito ruidosa [trata-se de Espanha, afinal] nos media e nas ruas de Madrid e de algumas capitais das regiões autónomas. Mas há outros pontos de referência que esboçam o que se pode esperar do governo espanhol nos próximos anos.
Extensão do desconto de IVA em alimentos até junho de 2024
Passe de transporte público gratuito para jovens e desempregados
Redução da jornada de trabalho para 37,5 horas
Incentivos fiscais para empresas com horários flexíveis e promoção do teletrabalho
Aprovação de um novo estatuto dos trabalhadores garantindo que o salário mínimo seja 60% do salário médio
Revalorização das pensões
Implementação de uma taxa mínima de imposto sobre empresas de 15%
Intensificação de medidas contra a economia informal
A União a ver passar a banda catalã
Outro ponto que desviei da lista acima dada a sua importância num contexto maior:
a ampliação da participação direta da Catalunha em instituições europeias e internacionais
A questão da Catalunha, embora seja um assunto de política interna de Espanha, deixa a União Europeia na expectativa. Teme-se que um grupo separatista abra uma caixa de pandora nos nacionalismos europeus ao conseguir atingir a secessão.
Ora, esse medo é em larga medida exagerado. A independência desejada pela Catalunha é, no mínimo, diferente daquilo que se entendia por independência outrora, e que ainda se entende em quase todo o mundo fora da Europa. A Catalunha não aspira a ser uma Suíça, uma Noruega ou um Reino Unido. O que os atuais secessionistas catalães pretendem é ir a Bruxelas sem terem de passar por Madrid.
É a existência do ordenamento jurídico da União que permite à Catalunha sonhar. O ordenamento mina, inexoravelmente, a unidade territorial dos estados que compõem a União. Um efeito prático faz-se sentir, por exemplo, na fraqueza crescente da autoridade dos governos dos estados-membros, que a extrema-direita tem vindo a explorar habilmente através do saudosismo nacionalista e da autoridades centrais musculosas (ditaduras, se preferires), apimentado pelo problema da imigrações.
A questão é muito mais complexa do que parece quando a vemos pelo filtro sem rigor dos media e merece mais do que o debate medíocre que temos feito. A começar pelas instituições europeias: é necessário evoluir para uma nova fase em que não se fiquem pela vaga ameaça das cartas ao Palácio da Moncloa a pedir explicações. Sánchez abriu a via verde do diálogo, que possibilita a passagem para uma integração difícil de orquestrar, sim, mas sem dor.
Fontes: El Plural, Euroactiv, El Plural, EuroNews, DN, UBI (tese de mestrado), Observador
🇪🇺😌 — Natureza crucial para a resiliência climática
A Agência Europeia do Ambiente publicou um relatório que examina a situação atual dos projetos de adaptação climática baseados na natureza e como estes podem aumentar a resiliência da sociedade e a biodiversidade na Europa. Pontos-chave:
Lacuna na Experiência: A EEA identificou que existe uma experiência limitada na Europa no que toca a aumentar a escala das soluções baseadas na natureza, abrindo caminho para uma ação concertada para superar este obstáculo.
Padrões e Monitorização: A falta de padrões estabelecidos para avaliação e monitorização é destacada como um desafio significativo para a replicação eficaz e aplicação em larga escala de projetos de adaptação climática.
Governança e Coordenação: A realização plena do potencial das soluções baseadas na natureza pode requerer uma governança mais direcionada e coordenação entre os diferentes níveis de poder e stakeholders, sugerindo a importância de uma abordagem mais estratégica e integrada.
Fonte: EEA
🇷🇺 🛢️ — Europa ganha independência energética da Rússia
Antes da invasão russa da Ucrânia, a Europa era muito dependente do gás russo. Em menos de dois anos, reduziu dramaticamente essa dependência. As exportações de gás russo para a Europa diminuíram 85%. O que resta é exportado para a República Tcheca, Eslováquia e Hungria, três países que hoje são mais pró-russos do que outros países da UE. Mas à medida que os europeus constroem a sua própria infraestrutura de gás caminham para alcançar independência das importações russas no próximo ano, momento em que o apoio à Rússia na Europa pode enfraquecer ainda mais, juntamente com os orçamentos russos.
Fonte: Peter Zeihan
🇨🇻😮 — Cabo Verde Moderniza Conectividade
O Governo de Cabo Verde anunciou a substituição total da sua rede de fibra ótica, engajando-se no projeto “Global Gateway” da União Europeia e em parceria com a Cabo Verde Telecom, com o objetivo de implementar uma infraestrutura de última geração que aprimore a conectividade interna do país.
Global Gateway da UE: O investimento no novo sistema de cabo submarino de fibra ótica é um exemplo concreto da participação de Cabo Verde no "Global Gateway", um pilar estratégico da União Europeia para melhorar a conectividade global e fortalecer as ligações com países parceiros.
Impulso à Economia Digital: Ao modernizar a infraestrutura de rede, Cabo Verde posiciona-se para otimizar sua economia digital, a transição energética, o turismo e outros setores estratégicos, visando uma notoriedade aumentada no palco das tecnologias e inovação.
Avanços em Serviços Públicos Digitais: O plano do governo caboverdiano de digitalizar 75% dos serviços públicos até 2026 e mais de 80% até 2030 alinha-se com a visão de uma União Europeia cada vez mais digital e conectada, reforçando a parceria UE-África em temas de transformação digital.
Fonte: Expresso das Ilhas