[0.0.4] Como o CH chegará ao governo (e como o evitar)
Em Portugal é o tema candente nesta fase de estabelecimento das narrativas que darão origem aos programas e às promessas para a pré-campanha e campanha eleitoral: a posição face ao partido nascido populista na extrema-direita do espectro, o CH. E é o tema desta quarta “edição zero” de VamoLáVer, com a qual abro uma alternativa de apresentação e conteúdo: a análise. Que poderá ocorrer ocasionalmente neste formato de objeto único, ou combinada com os sumários dos principais acontecimentos da atualidade.
ANÁLISE
Como o CH chegará ao Governo (e como o evitar)
A aritmética eleitoral é extremamente simples e aconselha prudência nas declarações e abordagens às eleições legislativas antecipadas para dia 10 de março.
Há duas formas de o PSD formar governo: vencer as eleições e apresentar um governo à AR ou, perdendo-as, o PS não ser capaz de apresentar o seu.
No primeiro caso, se obtiver a maioria absoluta dos mandatos no Parlamento, tem a aprovação garantida, seja qual for a composição do governo que proponha.
O primeiro caso é altamente improvável, concentremo-nos no segundo: tem de negociar a apresentação de um governo com outros partidos.
Novamente dois caminhos: ou fez um acordo pré-eleitoral para uma coligação e tem a aprovação na AR garantida por esse acordo, ou — cenário mais provável — terá de negociar apoios para obter essa aprovação.
A aritmética continua simples: dois tipos de acordos são possíveis. Um acordo de apoio parlamentar — de que foi exemplo o negociado por António Costa com três partidos em 2015 e que durou muitíssimo mais do que se pensava, seis anos, uma legislatura inteira e mais meia — ou um acordo de governo, com membros de outros partidos.
O líder — qualquer que seja o líder — do PSD terá de negociar esse apoio com os partidos que elegerão deputados, previsivelmente CH e IL. A negociação depende em primeiro lugar da aritmética.
No caso, menos provável, de PSD + IL serem suficientes para um acordo, o CH poderá não ser incluído. Isto representará um risco muito grande, uma pressão e instabilidade permanentes.
Esse cenário é inverosímil. Em primeiro lugar porque o CH tem atualmente mais do dobro das intenções de voto da IL (ver imagem). A IL está bloqueada, isto é, não apresentou crescimento eleitoral algum nos últimos 15 meses, a par do PSD, que nesse mesmo período oscilou num curto intervalo de quatro pontos e nos últimos dois meses está igual a Julho de 2022.
À direita cresce o CH. Em 15 meses duplicou a sua percentagem. Está a 11 pontos percentuais não só de ultrapassar o PSD como de ser O PARTIDO MAIS VOTADO.
Na imagem a evolução das intenções de voto nos partidos da direita portuguesa nos últimos anos. A direita moderada perdeu eleitorado para a direita radical e a extrema-extrema. A tendência (ainda) é de continuidade. Origem dos dados: Europe Elects
Contra mim falando, negligenciar o CH equivale a ser a proverbial avestruz que enfia a cabeça na areia quando pressente o perigo.
Também não adianta colocar o CH na prateleira do protesto. Ou melhor: não adianta resolver o caso SÓ dessa maneira. Se temos um boi na sala, temos de olhar para ele de frente em vez de o ignorar.
Prosseguindo com a simples aritmética eleitoral: a menos que aconteça um cataclismo inimaginável, o CH será o terceiro partido mais votado, obterá mais do dobro dos mandatos da IL tornando este partido matematicamente desprezível, e sem o consentimento dos seus deputados não haverá um governo de direita em Portugal no próximo ano.
Não importa muito o que eles todos digam até lá. Os números garantem que na noite de dia 10 de Março próximo — data simbolicamente colada ao aniversário do golpe da extrema-direita encabeçado pelo general Spínola em 11 de Março de 1975, que se tivesse triunfado hoje não existiram nem PSD, nem IL nem CH e talvez nem sequer democracia em Portugal — a única garantia de o CH não fazer parte da solução governativa é uma maioria de esquerda.
Como o evitar
Há um terceiro cenário em ensaio nalgum comentariado, sobretudo de centro-direita: o PS deixar passar um governo PSD minoritário abstendo-se de votar contra e viabilizar os orçamentos de Estado subsequentes a troco de alguma concessão.
Este cenário evoca a história e a tradição dos dois principais partidos portugueses para promover uma “sensatez central”, para utilizar uma expressão atualizada e politicamente correta do “bloco central”.
É um cenário possível (e, posso admitir, desejável) mas improvável. Duas razões:
o “bloco central” alternante funcionou baseado em dois pressupostos que entretanto desapareceram: PSD e PS eram grandes partidos eleitorais e juntos cativavam mais de 80% dos votos, por um lado, e por outro lado estavam contidos os partidos populistas e relegados para a abstenção milhares de potenciais eleitores radicais
a motivação desse comentariado pode ser apenas a de esconder a fraqueza do projeto do PSD, incapaz de conter o avanço do populismo e de apresentar uma proposta eleitoral suficientemente distante do PS para obter os votos do centro, passando o ónus para as costas do PS.
Faço notar que este cenário recente dá por certas duas assunções:
a de que Luís Montenegro, o presidente do PSD, manterá para além da campanha eleitoral a sua intenção de não fazer um acordo com o CH (anunciada hoje mesmo), contrariando o desejo do eleitorado, e
a de que José Luís Carneiro vencerá as eleições internas do PS, nas quais para já é o candidato pior colocado, e que manterá uma frase dita agora, ainda antes da campanha interna, sobre a sua intenção de viabilizar um governo minoritário do PSD.
Não sendo de descartar em absoluto, estas assunções são curtas e incertas, contribuindo para a fraqueza congénita deste terceiro cenário, que tudo indica ser um ensaio da cúpula do PSD e de um dos candidatos à liderança do PS, coordenado ou em pistas próprias.
Contudo, nada, nas narrativas políticas internas e externas, permite antever um regresso à “sensatez central” do passado. E acresce que Portugal até está atrasado, face aos outros países do sul da Europa, na consubstanciação da extrema-direita enquanto expressão de poder ou influência sobre ele.
CITAÇÃO
Ao PSD não se pede apenas uma visão económica e um projeto de sociedade alternativos que entusiasmem. Ao PSD pede-se que saiba corporizar uma rutura ética na governação do país. Mas cheira a poder e do partido e da sua liderança já se reaproxima um comboio fantasma de figurões imprestáveis. Porque os há também para aquelas bandas. Os próximos passos e escolhas de Montenegro vão ser cruciais para perceber se tem a estatura, clarividência, determinação ética e coragem para protagonizar uma verdadeira mudança.
Pedro Norton
Fonte: Público (€)